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Medo e delírio em Brasília

“O patriotismo perdeu de goleada”

A anomia do fascismo é um desejo de tutela contraditório. Agentes do caos querendo “ordem”. A contradição nevrálgica é a falta de senso completo do desespero, do grito irracional, a falácia extremista quando sai da moita (o que ocorre na derrota). Por sua vez, a intervenção federal no DF é decretada por Lula contra os “intervencionistas” que sucumbiram à selvageria. Suprema contradição, sem trocadilho.

Internacionalmente, como ninguém nasceu ontem, nem a Giorgia Meloni compra esse barulho. A tribo inteira vai deixar esta aberração agonizando na floresta. Mundo real é assim. E seguimos com a conduta inconcebível da segurança do DF (Distrito Federal) com o agora ex-secretário Anderson Torres que terá de se apresentar no Brasil para não entrar na lista da Interpol como foragido.

A república de Orlando agora se instala para não rodar, em meio aos crocodilos e iguanas. Culturalmente, temos as cenas de Palmira, na Síria, feitas pelo Talibã, que tiveram um ensaio cretino no DF (Distrito Federal): Di Cavalcanti retalhado, esculturas destruídas. E sim, isso tem DNA, logomarca, capital simbólico e responsabilidade política: Jair Bolsonaro. O bolsonarismo que manietou a Cultura e a Fundação Palmares.

A invasão dos Três Poderes é a culminância de uma trama alucinatória que foi sendo cevada progressivamente por fake news, bolhas de WhatsApp e Telegram, e que intentou uma conspirata mambembe que resultou em fracasso retumbante e desmoralização para este pseudo-movimento.

O culto da ignorância é resultante de um traço de personalidade (caráter) psicopata que inspirou estas falanges. O comportamento abjeto e o exemplo anti-vacina, da falta de decoro, etc. A História ocorrendo da pior forma. Triste. Destruindo-se Di Cavalcanti, Brecheret etc., vemos a manifestação da faceta do ignorante que odeia o que não entende. Ele não sabe que a sua raiva é do que não entende, ele ainda acha que é da obra.

Por sua vez, a alienação QAnon “alt-right” ganhou terreno fértil no bolsonarismo, um universo paralelo que tem consequências materiais no mundo real. O ponto para suturar a sangria é identificar e punir quem financia. E a cena dantesca: defecar no Congresso é a síntese de que o bolsonarismo é uma merda. E como dizia Ferreira Gullar, o poeta: “Arte não é cocô.”

O clímax ou epítome do que representou a ascensão ao poder executivo brasileiro da figura de Jair Bolsonaro é este tiro pela culatra da ala mais alucinada do bolsonarismo, dos intervencionistas mambembes com um patriotismo de fancaria, destrutivo e autodestrutivo, uma cantilena que começou com a contestação, por parte do ex-presidente, sobre o resultado final das urnas.

E esta cantilena, ladainha, se tornou estridente, aguda, com a marcha da insensatez, com escolta e tudo, rumo aos três poderes de Brasília, para cenas lamentáveis e revoltantes de vandalismo contra o bem público e patrimônio cultural do Brasil. Uma cena de destruição vestida de verde e amarelo, gritando as palavras Deus, Pátria, Família e Liberdade, e que, traduzidas, dizem o seguinte: “Destruição, Insensatez, Ignorância e Fascismo”.

O culto da ignorância, o desprezo pela cultura, tudo o que causou engulhos durante os últimos quatro anos, veio à tona com o inconformismo diante da derrota eleitoral por parte de pessoas que se perderam numa realidade paralela, histérica, de um chauvinismo insciente, embrutecido, anódino, e que através de um pensamento mágico, tiveram segundos de certeza, dentro de um Supremo devastado, de que tinham atingido o seu intento. Ou seja, se tratou de uma obra de incautos existenciais e cognitivos, e que logo teve a reação institucional à altura, e muitos foram detidos para a triagem dos culpados em Brasília.

A inspiração vinda da invasão do Capitólio nos Estados Unidos é evidente, e o influxo feito pela contestação das urnas também. A selvageria parecia um recreio dos horrores de gente tomada pela desinformação, adultos em surto com a visão infantilizada da realidade como uma questão de intervir de modo rudimentar e amador frente à frustração de uma derrota. Maus perdedores, a infância política de parte do país esteve à luz do dia, com pessoas perdidas na própria cegueira e cultivando absurdos, infâmias, ao mesmo tempo em que se auto intitulavam como patriotas.

Neste caso, o patriotismo perdeu de goleada. Pois, diante do Parlamento destruído, do Poder Executivo destruído, do Supremo destruído, a pátria, a de verdade, regurgitou como nunca antes na História deste país, diante de uma cena constrangedora que ganhou as manchetes internacionais. Sorte nossa, é a de que lá fora se sabia das causas, para a nossa vergonha não ser maior ainda.

O Brasil está diante da necessidade de uma inflexão forte, de virar esta página triste, infeliz, das consequências da ausência de cultura e da falta de investimentos na educação, e que produzem bestas feras que, tomados de um voluntarismo ensandecido, quebram obras de arte com o fito de “salvar o Brasil”. E esta salvação do Brasil se contrapõe a esta malta bizarra, possessa, e que mancha de cinza um dia em Brasília, todos vestidos de verde e amarelo.

O que causa revolta, engulhos, desolação, é a cena devastadora deixada para trás nos três poderes, um misto de gastura e choro, e de tentar entender, mais uma vez, que o país tem uma avenida gigantesca pela frente para evoluir como políticas de Estado e de maturidade civil. Os gritos desta primeira infância política, mimada, destrutiva, ainda estão no seu auge, um retrato infeliz, de uma versão provinciana, alienada, do Brasil, que mistura estações pela desinformação de que estão imersos.

O outro Brasil, das políticas públicas, da iniciativa privada, do progresso social e cultural, agora tenta ver a luz do dia novamente, em meio a esta tribulação do bolsonarismo, quando o país deu vários passos para trás na sua evolução civil e política, e que agora pode retomar o fôlego e se fortalecer, num movimento de volta ao decoro, às falas e atitudes construtivas, de uma concertação que agora se trata não somente de uma virada cultural, civil e política, mas de reerguer o próprio processo civilizatório do Brasil.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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