As quatro prisões efetuadas nessa segunda-feira (20), no âmbito da operação Protocolo Fantasma — empreendida pelo Ministério Público do Estado (MPES), por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), com o apoio da Corregedoria da Polícia Militar e da Força Nacional — têm sido sustentadas pelo governo do Estado como uma ação providencial para coibir uma nova paralisação da PM.
Os detidos — duas mulheres, um ex-PM e um policial — foram identificados como “cabeças” do movimento, pelo menos foi esse o entendimento do MPES compartilhado pela juíza da 4ª Vara Criminal de Vitória, Gisele Souza de Oliveira, que expediu quatro mandados de prisão e outros 24 de busca e apreensão contra mulheres e familiares de militares.
As degravações das escutas telefônicas, consignadas aos autos, apontam que os quatro detidos “tramavam” uma nova paralisação. Um dos acusados também estaria usando o movimento para se promover politicamente, com a intenção de se lançar deputado estadual na disputa eleitoral de 2018.
Ora, não seria surpresa se um ou outro integrante do movimento estivesse buscando projeção política, com vistas a virar candidato nas próximas eleições. Esse, aliás, é um caminho bastante comum no meio político. Quantos vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores e até presidentes não construíram suas carreiras políticas após se destacarem como lideranças de movimentos sociais, sindicais, ambientalistas, entre outros? O próprio governador Paulo Hartung sempre faz questão de lembrar que construiu suas raízes políticas no movimento estudantil — embora as convicções defendidas pelo então militante tenham se apagado completamente ao longo do tempo.
O fato de um ou outro envolvido ter eventualmente usado a paralisação da PM como trampolim eleitoral não significa, necessariamente, que o movimento foi manobrado politicamente por um grupo.
Não é plausível que mais de 10 mil policiais tenham aderido ao movimento por determinação de um pequeno grupo. Será que as tais “cabeças” teriam força para influenciar um efetivo dessa grandeza, pondo interesses pessoais na frente de uma pauta coletiva?
Os repórteres que fizeram a cobertura a paralisação da PM tiveram muita dificuldade para identificar fontes que falassem em nome do movimento. Havia muita informação desencontrada, sobreposta, dúbia e, algumas vezes, amadoras. Parte da imprensa que estava empenhada em cobrir os fatos – e não em fazer o papel de veículo “chapa branca” – penou para conseguir informações que permitissem construir conteúdos mais consistentes no dia a dia.
As interlocutoras, sempre temendo represálias, recusavam-se a dar entrevistas. Mesmo quando se propunham a falar, apenas tergiversavam, e acabavam não fornecendo informações que pudessem ser aproveitadas jornalisticamente. Não existiam lideranças, porta-vozes ou principais interlocutores do movimento.
Mesmo as sete mulheres que acabaram ganhando destaque durante o movimento, por integrarem o grupo que participou das reuniões com o Comitê Permanente de Negociação do governo, também não se reconheciam como lideranças. Elas sempre afirmaram que o protagonismo assumido na mesa de negociações era meramente circunstancial, que a interlocução mais ativa não as permitia falar em nome do movimento.
O processo de cobertura jornalística em si reforçou a tese de que o movimento era horizontal. Essas evidências dão margem para se levantar suspeição sobre as prisões e os mandados de busca e apreensão.
Especialmente as mulheres e os familiares de policiais não deveriam ser enquadrados como conspiradores, tampouco presos. É preciso relembrar que quando o movimento começou ninguém imaginava que o protesto deflagrado por meia-dúzia de mulheres, na Companhia da PM de Féu Rosa, na Serra, algumas horas depois, pararia a polícia de todo o Estado.
A partir do momento em que o movimento foi ganhando projeção, as coisas passaram a acontecer, praticamente, em tempo real. Não parecia saber exatamente o que fazer: nem as mulheres, nem o governo. Não parecia ser uma grande conspiração ou uma manobra previamente urdida nos porões dos quartéis para destruir politicamente o governador. Alguém poderia prever nos primeiros dias que o movimento seria notícia no The New York Times e em outros jornais importantes do planeta?
O que faltou por parte do governo foi diálogo. Paulo Hartung e equipe se mostraram incompetentes para conduzir a crise na segurança pública. O governador escolheu, desde o início, a força para pôr fim ao movimento.
A paralisação dos policiais acabou já faz 15 dias, mas a crise aberta com a PM está longe do fim. Ironicamente, a PM está aprendendo, da pior maneira, que a imposição, a intransigência, o autoritarismo – armas usadas pelo governador Paulo Hartung para enfrentar a crise – não sinalizam para uma saída negociada para o impasse.