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My father’s eyes

Aprendi contigo muitas coisas, olho em seus olhos agora e minha esperança na vida vem da palavra desafio e não da palavra tragédia. Como eu te conheci? Que jornada meu velho, que honra. A gente não precisava fazer transbordamentos para saber que um gostava do outro, do nosso jeito tínhamos um pouco de palavra e um pouco de telepatia, o peito e o beijo, um tanto de dar calor, às vezes com a música íamos longe, e íamos juntos, e estamos juntos, sempre, eternamente.
Eu meio que ficava zangado com algo, muitas vezes, e era engraçado, nisto tudo você mantinha a calma. Lembro de muitas coisas, priorizo as boas, vou viver com o polo positivo de uma relação forte, muito forte, talvez por isso mesmo teve conflito e choro e riso e tudo o que tem direito.
Lembro de algo ainda recente, fomos ao cinema ver Django Livre, do Quentin Tarantino, ficamos quase um mês nos chamando não pelo nome ou por pai e filho, pois um ficava chamando o outro de Django, até que tudo voltou ao normal depois deste nosso delírio cinematográfico.
Na música, você ia direto ao assunto, isto é, The Beatles e Pink Floyd, suas invenções eram muitas, mas a linha mestra era o rock clássico, não tinha muita firula, ou seja, esta minha mania de pesquisa infinita. Papai ficava com o filé do que conhecemos por música e o problema dele já estava resolvido, ultimamente, eu ouvi muito Pink Floyd e Beatles saindo de seu quarto.
Esta semana, já com você no CTI, me perguntei : “Where’s my father?”, me deu um pequeno aperto, não sabia o que estaria por vir. Nos preparamos várias vezes para esta morte, desde sua doença em 1999, a recidiva em 2003, e enfrentamos a crueldade inominável que foi a morte do Alex em 2015, mas sempre te vi positivo, talvez filosoficamente, pois na carne eu sentia um abatimento, um cansaço.
No entanto, no hospital, tive um último momento contigo, parecia tudo tranquilo, bom demais para ser verdade, ficamos vendo o canal Bis, ouvindo Rolling Stones por uma hora, parecia que alguém tinha colocado um cronômetro, pois dez minutos depois do programa do canal Bis terminar, chegou o médico e disse que você só precisava evacuar para ir para casa.
Pensei, está tudo bem, qualquer coisa volto na próxima semana. Dei um beijo em sua testa, você beijou a minha mão, sorrimos, parecia tudo tão normal, uma coisa passageira, mas passageiros somos nós, a viagem, a jornada estava por vir, e foi, recebi a notícia acordando de manhã, e foi suave, sutil, minha irmã me disse isto com leveza, e eu flutuava entre o sono e o choque, com a reação emocional ainda contida e guardada.
Agora lembro dos pontões da barra, meus bonecos, meu castelo de Grayskull que ficava no Rio, no seu apartamento, minha irmã com a barbie, Yakult e Todinho na geladeira, muito Beatles, Sade, Dire Straits e Supertramp, o que na época só conhecia pelo nome e pelo som mesmo os Beatles.
Ah, e a sessão ininterrupta de Indiana Jones e o Templo da Perdição, eu que esperava sempre a cena do kalimá que tirava o coração de um escravo vivo, eu e minha irmã que sabíamos o filme de cor e salteado. E tinha também meus almoços no Frajola no bairro da Saúde, onde ficava a ASB, que foi a sua editora nos anos 1980 e início dos 1990. Muita coisa boa, muita coisa interessante. Os banhos na fonte da casa da vovó no Recreio dos Bandeirantes.
E lembro de suas lutas coletivas, a luta pelos direitos das pessoas com deficiência, o livro assimétricos, sua luta interna depois da ida de nosso irmão, sua luta física depois da amputação da perna esquerda, tudo foi luta, e eu aqui, com o peito apertado, também estou nessa, na luta, o luto vira luta, mais uma vez, com uma imensa saudade e um rasgo no peito, e como você gostava de dizer: Vamos nessa!
(Andrei de Sampaio Bastos, nascido em 1951 e falecido em 2018, meu pai é jornalista e escritor, lutou contra a ditadura militar e militou na causa das pessoas com deficiência).
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Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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