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Na contramão!

Íamos sozinhos por estradas diferentes…

Tem um sujeito na mitologia grega que não respeita as leis trabalhistas: não obedece a horários, não avalia interações e consequências, aparece em qualquer tempo e lugar sem ser convidado, e não consulta o currículo dos envolvidos. Eu estava distraído, pensando em outra coisa, e de repente, boom! O fusca entra na contramão e arranca o paralamas do meu importado. Fui lá ver se matava a motorista ou se ela já tinha morrido na batida – e o danado do Cupido me flechou!

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Talvez se eu não estivesse distraído, pensando em insignificâncias como a reforma do Código Penal, teria visto o fusca vindo na contramão e me livrado da batida. Mas aí, qual a graça? O quase fatal-acidente não consta dos formulários de trânsito, mas estava escrito nas estrelas. Mandei a conta pra garota, e ela veio pessoalmente me informar que não pretendia pagar… Mesmo assim fui educado e ofereci um vinho, afinal, a garrafa já estava aberta.

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Eu sempre obedeço às regras de trânsito, e jamais entraria numa avenida movimentada na contra mão. O fusquinha é de estimação, foi da minha avó, depois da minha mãe, e mesmo caindo aos pedaços me levava pra todo lado, O freio falhou, foi isso! Não pude desviar porque do outro lado vinha um caminhão! Então fico pensando… e se tivesse batido no caminhão? Podia ter morrido ou casado com o caminhoneiro, mas bati no importado. Coisas da vida!
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Luis de Camões, ainda nosso maior poeta, cantou: Amor é fogo que arde sem se ver / É ferida que dói e não se sente. Quem não sente? Gosto do poema, um dos melhores do nosso idioma e sempre pode ser citado nos arroubos românticos, mas se dói ou não depende da batida: Sabe quanto custou desamassar a lataria do meu importado? Doeu!
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De Cora Coralina: Não te procurei, não me procurastes – íamos sozinhos por estradas diferentes. Indiferentes, cruzamos… Não cruzamos, foi um baque violento, ainda estou com o corpo todo dolorido. Apesar do vinho e do beijo, assim meio apressado, ele entrou com uma queixa na justiça. Isso que dá se meter com advogado! Devia ter batido no caminhoneiro, que desconhece seus direitos legais, como disse o causídico.

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Dia seguinte ele liga, Pode vir aqui assinar os papéis? Que papéis? Não vou pagar o prejuízo do seu carro, que mesmo amassado continua andando, e eu tenho que pegar ônibus! Pode ficar com o fusca para compensar seu prejuízo! Que fusca? Seu carro virou sucata. E ainda tem vinho na garrafa…

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Fui, sem prestar atenção no poema da Coralina: Passavas com o fardo da vida… Que fardo? O sujeito anda de terno e gravata, carro importado mesmo amassado, anel de doutor no dedo. Quando cheguei ele já fechava o escritório, disse que não tinha almoçado, Podemos comer uma pizza enquanto discutimos… Como fui burra de cair nessa? Olha doutor, obrigada, mas… o beijo desta vez foi pra valer!

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Nós, vítimas distraídas, somos levados na avalanche desses pequenos deslizes cotidianos que, no entanto, se transformam em grandes eventos, lembrados e citados pelo resto da vida – Na festa de 30 anos de casados, eu disse: Se ela não tivesse me atropelado! Ela disse: Se ele não estivesse preocupado com o tal Código Penal! Nosso filho disse: E a reforma ainda não saiu!

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