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Não saia de casa sem ela

Nas entrelinhas, amor (pretendem se unir em matrimônio), crimes e tragédias, como em qualquer romance

Na minha não-muito-distante juventude o Diário Oficial do Estado era a bíblia do meu pai, e não sei se ele assinava ou se podia levar para casa alguns exemplares extras. Eu lia também, por falta de coisa melhor à mão, mas principalmente porque aquelas expressões esdrúxulas afetando pessoas comuns me fascinavam: Penhora-se, Informa-se, Faz-se saber, Determina-se, A quem interessar possa… Nas entrelinhas, histórias de vida, romance (pretendem se unir em matrimônio), crimes, suspense (a Lei Orçamentária será votada…). Tragédias para uns, regozijo para outros, como em qualquer romance.

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Tal e qual o que vemos nos classificados dos jornais: um manancial de vivências registrando as fases tragicômicas da nossa história. “Vendo fantasias de pierrot e colombina para o carnaval, sem uso”. Má notícia: a anunciante perdeu o namorado e não quer saber de alegria-alegria. Boa notícia: eles decidiram ir passar o feriadão de carnaval nas Bermudas. “Vendo apartamento mobiliado completo, aceito ofertas”. Opção 1: ganhou na loteria e vai se mudar para mansão de frente para o mar; opção 2: a mulher se mandou com o patrão; opção 3: denunciado na lava-jato.

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“Precisa-se celular urgente. Os dois últimos caíram no vaso por engano”. Os classificados, principalmente dos jornais, revelam mais sobre os lugares do que os melhores panfletos turísticos ou a biografia de residentes ilustres. Entre a Oferta e a Procura, esconde-se uma enciclopédia de vida e cultura que, bem analisada, alimentaria livros e postagens no Youtube. Deus nos guarde. “Vende-se vestido de noiva em bom estado, usado apenas três vezes – desisti, vou ficar sozinha”. “Procura-se parceria: restaurateur falido pós-quarenta procura funcionária pública ou viúva com pensão razoável para relacionamento estável. Deve ter apartamento próprio”.

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Bons tempos: a sessão de precisa-se engorda e a sessão de ofertas emagrece. Ou seria o contrário? Ofertas: “Cachorros farejadores de C-19. Amigáveis com crianças, faro aprimorado na captação do vírus, gentil com os doentes, feroz com os políticos”. “Mão de obra especializada na lavagem e desinfecção de produtos de primeira necessidade: alimentos, artigos para o lar e/ou medicinais. Garantia total de manter o vírus afastado do seu lar”.

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Esta fase complicada da nossa história ficará registrada nos classificados que pesquisadores do futuro poderão até achar ridícula, mas são nosso dia dia: Más noticias: Vendo respiradores made in China, nunca funcionaram; Vendo grande estoque de cloroquina, não surtiram efeito. E em breve teremos a boa notícia sonhada por todos: “Vendo farto estoque de máscaras e luvas, não são mais necessárias”. Enquanto esse dia não chega: “Máscara, não saia de casa sem ela”. Só assim venceremos essa batalha desigual que travamos contra nosso inimigo comum.

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