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Não seja um lixo!

A inversão de valores confunde a realidade

A sociedade moderna caminha num roteiro dito progressista e deixa um rastro impossível de ser eliminado, não só nas questões ambientais, das quais além de protagonista se torna sua principal vítima, mas principalmente nas questões humanas.

Estima-se que cada pessoa gera por dia entre 800 gramas a 1kg de lixo, multiplicando isso pela população do planeta, já dá para se ter uma ideia do estrago, principalmente levando-se em conta de que não existe o “lá fora” para colocar esse lixo.

Por outro lado, as estruturas das sociedades, competitivas por excelência, produzem um segundo e ainda mais perverso lixo, a partir de sua própria desumanização.

A insensibilidade frente a pobreza, a fome, a miséria e a exclusão, o admitir essa existência sub-humana, ou seja, sem a condição efetiva de existência – ainda mais quando as classes dominantes não só naturalizam essa relação, mas fazem dela uma necessidade para suas estruturas como acontece no capitalismo – acaba fazendo da própria sociedade um lixo, uma vez que o ser humano desumanizado perde sua essência e a única definição que lhe resta é “lixo”.

A boa reflexão nos leva a perceber que a perda do sentimento de humanidade, ou do pertencimento ao universal “humano”, deixa a sociedade no vazio da existência e, em sua luta para continuar parecendo humano, piora ainda mais a situação criando categorias para os subprodutos de suas ações, explícitas nos próprios termos: “excluídos”, “periféricos”, “marginais”, etc. numa clara inversão de valores e transferência de sua responsabilidade para suas vítimas.

Não seria demasiado perverso se considerássemos que a leviandade dessas classes dominantes chega a implantar, nessa população por ela marginalizada, a denominação que a ela apropriamos anteriormente “um lixo”. É claro que o objetivo é de localizá-la embaixo do tapete, abandonada na invisibilidade das funções desvalorizadas e mais exploradas, ou nas ruas, nas favelas inacessíveis, e nos cárceres, que inclusive são disfarçados de equipamentos de ressocialização, mas no fundo são só uma tentativa de desaparecimento desses “indesejáveis”.

Assim como o lixo material, essa classe burguesa já não tem onde ser colocada no mundo humano, precisa viver em suas bolhas, protegidas pelo Estado por meio das forças policiais, mantendo-se cada vez mais acuada.

A covardia chega ao extremo quando os custos da manutenção dessa farsa ainda recaiam em suas vítimas, principalmente por meio da manutenção da estrutura do Estado, garantidor desta realidade de privilégios e proteção, que é custeada pelos impostos, inclusive mais incidentes nos produtos essenciais como a cesta básica – entre 12 e 17%, os combustíveis em torno de 17%, e as tarifas públicas como água e energia elétrica, que chegam a 25%.

Até quando será suportável e sustentável a manutenção de seus privilégios, em detrimento da desigualdade sem estourar a bolha, talvez seja a preocupação que falta aos protagonistas do caos social que vivemos.

Vale ressaltar a falta de uma autocrítica real, que localize as mazelas sociais em suas próprias identidades, ou perda delas, ao se transformarem ao que definimos como lixo.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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