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No escurinho do cinema

O que combina bem, beijo e suspense

Na alegre cidade de Alegre, assim nomeada em homenagem a um cachorro, só podia mesmo ser alegre. Tinha um cinema, e segundo a lenda, esqueceram de acrescentar uma escada para o segundo andar, de onde os filmes eram projetados. Mas nem por isso faltavam filmes na tela, e nunca tive a curiosidade de saber como o cinegrafista chegava até lá. Graças a essa levitação, vi muitas vezes Gregory Peck e Deborah Kerr trocando beijos secos na tela colorida!

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O beijo francês, como chamavam então o beijo com o sensual uso das línguas, era proibido no cinema americano. Como também a cama de casal, mesmo nos filmes ‘família’, em que o casal era comprovadamente casado e com o registro do cartório emoldurado e pendurado na parede. Muitos casais desses tempos, achando que era a última moda em Hollywood, decoravam o quarto de casal com duas camas de solteiro: “Pra inglês ver”, como diziam lá no passado.

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Quem criativamente liberou o beijo molhado foi ninguém menos que Hitchcock, o dos filmes de suspense. O que combina bem, beijo e suspense, não? Uma das muitas idiossincrasias americanas, o Código Hays, determinava que o beijo na tela podia durar apenas três segundos. Em 1946, Hitchock ‘contornou’ a exigência no filme Interlúdio, fazendo Ingrid Bergman e Cary Grant interromperem rapidamente o beijo a cada três segundos… A lei não foi desrespeitada e o respeitável público adorou.

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Mas não é anti-higiênico? Pergunta a mocinha inocente e encabulada. É igual duas pessoas usarem a mesma escova de dentes, se intromete a tia rabugenta, obrigada a acompanhar o casal nas idas ao cinema: afinal, as luzes ficam apagadas! O mocinho é bem informado: Que nada, a saliva é alcalina, contém anti-virus naturais que protegem a saúde e promovem o bem- estar geral. A mocinha suspira… Bem-estar geral? Como ele sabe disto? A tia se cala, sem condições de argumentar com tanta sabedoria, mas certa de que o mal-intencionado está tramando alguma coisa. 

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No Cine Trianon, a ‘lanterninha’, também conhecida como ‘Dona Porteira’, era a mesma senhora idosa que exercia o nefando cargo de Chefe de Disciplina no colégio local, e usava a mesma técnica rígida nas duas funções… ou seja, não podia chegar atrasado porque atrapalha a sessão,  não podia rir alto nem assoviar porque incomodava os mais educados, não podia entrar com pipoca porque sujava o chão, nem bebida porque estragava as poltronas: um modo simpático de definir as pouco confortáveis cadeiras de madeira.  

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Como também exercia as funções de assistente nas missas do Padre Pavesi, ela aplicava o mesmo código no vestir: nada decotado ou muito curto. Shorts? Nem pensar! De Hollywood até Alegre havia um longo e tortuoso trajeto, e muitas vezes a fita chegava tão usada que arrebentava, demorando um tempão para emendar – portanto luzes acesas – e muitos casais eram surpreendidos no ato de imitar nas poltronas as cenas românticas na telona. 

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A espera pelo retorno da cena cruciante para o bom entendimento da trama era semeada de vaias e bate-pés! Às vezes a fita era tão velha que o cinegrafista tinha que cortar algumas sequências… “Como assim? Eles nem se conheciam e já têm dois filhos?” A espera, porém, tinha um lado prático, às vezes até com música ambiente: correr ao banheiro para… Ups! Não havia banheiro! Mas era permitido ir ao bar da esquinha. Podia sair também para visitar o pipoqueiro e o menino do amendoim-torrado. 

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Se o filme não tinha beijo e o casal romântico não terminasse junto, lá vinham mais vaias e bate-pés. Houve casos de frequentadores exaltados exigirem o dinheiro de volta (sem sucesso), ou cortavam cumprimentos com o cinegrafista – que vivia em uma constante dualidade entre herói ou vilão, mas com a vantagem de assistir todos os filmes de graça. Talvez isso seja lenda, mas é o que se comentava naqueles idos, quando a entrada custava 20 mil réis e ninguém na cidade falava com a Da. Porteira.

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Muitos romances nasceram no escurinho do cinema graças às peripécias do acaso: dois estranhos se sentarem lado a lado: Aceita um drops de anis? Ela aceita, tirando os óculos de ler letrinha na tela, “Você não é o namorado da Rita?” Já virou passado… e o Carlinhos? “Pus pra correr…” Dois corações feridos de morte encontram uma segunda ou terceira chance, e como em todo filme bom, acabam juntos para sempre. O ponto culminante de um filme merecedor de Oscar é sempre o final feliz.

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