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​O Brasil enviesado

A  elite deseja maquiar, mas não promover alterações que afetem o contexto social

Perplexo, vejo nessa quarta-feira (15) nas redes sociais restos de feijão sendo vendidos como “feijão popular” em supermercados localizados em bairros mais afastados. Mais um ingrediente dos vários que engrossam a crise brasileira, piorada desde o governo Michel Tremer. Antes usado como ração animal, esse tipo de alimento contrasta com o que foi servido no jantar que reuniu integrantes da velha elite financeira e política na luxuosa residência do especulador Naji Nahas, em São Paulo, no início da semana.

Comemoravam a carta-recuo de Bolsonaro enviada ao ministro do Supremo Alexandre de Moraes, com o protagonismo de Michel Temer, dono das mais estridentes gargalhadas do encontro, que ocorreram no mesmo momento das fracassadas manifestações dos que trocaram de lado e se vestem de oposição ao governo. Em ambos os casos, há oposição a Bolsonaro, mas, com um diferencial: não existe, na realidade, o desejo de mudar a situação, mas apenas de alterar alguma coisa no cenário, no caso a queda de Bolsonaro, mantendo a mesma estrutura.


Em se tratando de Temer, motivo não lhe falta para gargalhar, já que foi trazido de volta à cena política brasileira; quanto à oposição de direita, que não conseguiu empolgar as ruas, tenta se inserir no campo diferente ao que foi mergulhada desde que apoiou o golpe de 2016 e sustentar o governo Bolsonaro até bem pouco tempo.
Diante desses fatos, me vem à mente a descrição de um cenário político decadente – “um pesado cheiro de fezes exalava tanto das ruas quanto do vizinho quarto dos cântaros”, construído pelo escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957) no seu livro O Leopardo, uma das mais importantes obras de literatura política do Século 20, ambientada no Século 19.
A descrição do ambiente fétido da nobreza italiana remete ao jantar e às manifestações de rua com quatro gatos pingados, juntamente com outra expressão contida no mesmo livro, colocada na boca da personagem Tancredi, membro do decadente regime, que acolhe e estimula transformações promovidas por avanços políticos exclusivamente para manter-se no seio do poder e em defesa de seus interesses:
“Se nós queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”. Forma-se um contexto onde não existem ideologias nem crenças, mas, de forma imperiosa, o sentimento de ter, a acumulação de riquezas e a sede de poder. Assim é o entendimento daqueles que acreditam que as mudanças não devem afetar o já estabelecido.
A inflação em alta beirando os 10% e a ausência de perspectivas de melhoras, por falta de um projeto que leve em conta as necessidades da população mais vulnerável, fazem do governo Bolsonaro um desastre de proporções nunca vistas. Uma situação que a elite deseja maquiar, mas não promover alterações que afetem o tecido social, retirando os privilégios e garantindo direitos. Um desenho que se forma também nos estados. 


A pouco mais de um ano das eleições gerais, conhecidos caciques políticos já começam a ser movimentar, esboçando os mesmos gestos. Mostram-se contrários a Bolsonaro – não por questões ideológicas, mas pela ineficiência da gestão e a falta de compostura do presidente -, defendem a democracia, mas não mexem uma vírgula no modelo adotado pelo ministro Paulo Guedes. No Espírito Santo, esse jogo já está em andamento e envolve desde o ex-governador Paulo Hartung (sem partido), ao presidente da Assembleia, Erick Musso (Republicanos), o ex-senador Ricardo Ferraço (DEM), entre outros.

A oposição de direita também vai nessa onda, pregando um Estado menor, as reformas que tiram direitos, a política de privatizações, a hegemonia dos mercados, para deixar à solta o capital financeiro, representado no jantar em torno de Michel Temer. Em contrapartida, a participação da sociedade também é reduzida, formando um desequilíbrio social com tudo para explodir em fatos indesejáveis, como o aumento da violência, que já pode ser visto e sentido no dia a dia. Um contexto pesado, que atinge a todos, até os que ocupam púlpitos de igreja e tribunas de casas legislativas para dizer que tudo está bem. Não está.

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