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O Cemitério das Almas Perdidas

Filme capixaba, de Rodrigo Aragão, é exibido no Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre (Fantaspoa)

Está acontecendo esta semana o Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre (Fantaspoa). Os filmes estarão disponíveis até domingo (18) e o acesso é feito pelo site oficial ou Instagram.

O Cemitério das Almas Perdidas é o último filme do capixaba Rodrigo Aragão e o primeiro rodado quase todo em estúdio. A trama é um vai e vem entre passado e presente, e as datas dos acontecimentos não são especificadas. Logo, fica a cargo do espectador imaginar em que época o filme está ambientado.

O diretor deixou claro que não queria fazer um filme histórico, mas ao menos um pouco de pesquisa era necessário para entender melhor a mensagem do filme. Os personagens deveriam ter sido apresentados no começo com maior profundidade e não simplesmente aparecer como se não tivessem vida pregressa.

Os tripulantes de uma nau rumo ao novo mundo se desesperam durante uma tormenta e começam a orar. Quando a maioria perde as esperanças, um homem estranho assume-se líder e diz-lhes que pode acabar com o martírio, caso alguém se ofereça em sacrifício. A solicitação é prontamente atendida e um pobre-diabo é escolhido a contragosto para servir ao holocausto.

O homem lê uma oração demoníaca do livro de São Cipriano, o tempo serena, e eles atracam tranquilamente em terra firme. Logo ao pisarem na areia, avistam no alto da montanha uma igreja macabra circundada por um cemitério.

O filme avança no tempo, até o que parece ser os dias atuais, onde Fred, o dono de uma trupe mambembe de circo, segue em turnê pelas terras do Espírito Santo. Seu espetáculo nada mais é que um showzinho para assustar as pessoas e, apesar de aparentemente inofensivo, um grupo de protestantes acredita que os números e fantasias são pagãs e que seus integrantes são satanistas.

Fred tenta argumentar com a turba e, para provar que não tem envolvimento nenhum com o maligno, ele deixa-os assistir ao espetáculo de graça, imaginando que assim mudariam de ideia. O plano não poderia ter saído pior, os evangélicos não veem aquele trabalho como arte e pensam que, ao expulsá-los, estão combatendo o mal.

O filme volta novamente no tempo, agora com os tripulantes atacando uma aldeia indígena no meio de um ritual. Eles matam sem nenhuma explicação prévia todos os nativos, menos uma que vira prisioneira na igreja. Cipriano o homem misterioso homônimo do santo, cria uma seita no templo e só recebe a oposição do padre franciscano Joaquim, o único bom entre eles.

Joaquim consegue a permissão para catequizar a índia Aiyra. Entre uma lição e outra de português, ele conquista a confiança da nativa e ela pede-lhe que entregue uma escultura de folhas para uma tribo de índios bravios. A peça é um sinal de ajuda para que ataquem a igreja, que a está altura já usa a cruz de cabeça para baixo.

Mesmo em menor número, Cipriano e seus seguidores derrotam os índios usando a magia negra, Joaquim, que passou a defender os índios, rouba algumas páginas do livro e sacrifica a própria vida para operar um feitiço que os amaldiçoara por toda eternidade. No terceiro ato, presente e passado se entrecruzam e as peças do quebra-cabeça se unem.
É verdade que o diretor assumiu em entrevista que não fez pesquisa histórica, mas em se tratando de temas tão delicados, era importante ter pesquisado pelo menos um pouco. Para se criticar algum grupo, religião ou ideologia, é preciso antes estudá-los.

No ano passado, a artista sérvia Marina Abravomic foi acusada de satanismo ao participar de uma propaganda para a Microsoft. Assim como no filme, a mensagem da propaganda foi distorcida pelo público para parecer má. O final exaltado é tão exagerado que ficou chato, seria melhor ter apostado mais no suspense, tentando criar um clímax do que sensacionalismo.

Fiquei intrigado em saber se o diretor tem predileção pela espiritualidade franciscana, ou pelo Papa Francisco, talvez isto explique o motivo de Joaquim ser um dos poucos personagens bons.

Pontos positivos: este é, sem dúvida, o melhor filme da carreira de Aragão. Pela primeira vez o roteiro é na maior parte original, sem os previsíveis cenários e personagens dos anteriores. O diretor conseguiu criar no Espírito Santo um estúdio com poucos recursos e, neste trabalho, o dinheiro foi melhor empregado que no filme anterior.

Pontos negativos: O diretor tem obsessão por evangélicos desde o filme anterior e parece-me ter uma verve anticlerical ou anti-Roma. Mesmo se tratando de ficção, a história que ele criou pode ser tida como verdadeira pelos leigos, porque as instituições ali retratadas existem e, para quem tem pouco acesso ou paciência para averiguar um trabalho ficcional, pode ser perigoso.

O favoritismo na escolha de pessoal pode ter atrapalhado o resultado. Talvez Aragão seja resistente à ideia de intercâmbios artísticos. É compreensível querer formar e dar oportunidades às pessoas da própria região, mas para que os talentos surjam, é necessário antes a troca de experiências e a acumulo de referências. Não se produzem artistas num deserto e nem da noite para o dia.

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