A montanha pariu um rato
O exemplo mais acabado de desastre político, talvez o caso mais emblemático de uma sucessão de decisões erradas e que fizeram suas ambições naufragarem, é a de Sergio Moro. Muito exemplar, pois, de um gigante na atuação de uma Lava Jato como juiz federal na Vara de Curitiba, com autonomia que lhe permitiu o arbítrio muitas vezes, politizando o processo jurídico envolvendo políticos até o paroxismo, e culminando com o vazamento desta inflexão tendenciosa com a divulgação feita pela chamada “Vaza Jato” do Intercept, virou um anão político, encalacrado nas próprias escolhas equivocadas.
Quando Moro atuava na 13 ª Vara Federal de Curitiba, o então juiz federal dizia que nunca entraria para a política, e teve gente que comprou esta conversa fiada, sem nem perceber os movimentos tanto do juiz como de Dallagnol para se projetarem no cenário nacional, o que certamente não era um altruísmo jurídico a troco de nada, uma vez que tudo é e sempre se trata de política, e como ela é, não se iludam.
Primeiro, se alegava a candidatura de Sergio Moro para uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), mais uma vez com este afetando desinteresse por cargos eletivos. E a conversa mole de Moro perdurou até a sua adesão ao bolsonarismo e a sua nomeação como ministro da Justiça do governo recém-eleito de Jair Bolsonaro.
O erro estratégico, contudo, foi se consolidando na disputa do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), quando Jair Bolsonaro transferiu o conselho do Ministério da Justiça para o Ministério da Economia, mediante a aprovação de uma MP (Medida Provisória) no Congresso Nacional, em 2019, com o intuito de proteger o clã Bolsonaro, isto é, seus filhos, das investigações que estavam em curso no Coaf sobre o caso das rachadinhas, sobretudo, no gabinete do ex-deputado estadual Flávio Bolsonaro, agora no Senado Federal.
Começou, então, uma discussão entre o presidente e o ministro em torno de uma decisão liminar do Supremo que poderia afetar todo o sistema de investigações, e que foi tomada com o objetivo de proteger Flávio Bolsonaro. Por sua vez, esta transferência do Coaf do Ministério da Justiça e Segurança Pública para o Ministério da Economia, com esta transferência incluída pela comissão mista que analisou a MP (Medida Provisória), incluiu a rejeição de um destaque do Podemos que visava manter a redação original da MP e manter o Coaf sob responsabilidade da pasta comandada pelo ministro Sergio Moro.
Em seguida, ainda em 2019, o Plenário do Senado aprovou por MP (Medida Provisória) a transferência do Coaf do Ministério da Economia para o Banco Central (BC) e que reestruturou o órgão. O Coaf foi criado em 1998, como um órgão de inteligência financeira, e tem a atribuição de produzir informações para o combate à lavagem de dinheiro, e pode aplicar penas administrativas contra entidades do sistema financeiro que não enviem relatórios necessários ao trabalho de inteligência do órgão e ao analisar amostras de informes recebidos em que se detecta suspeita de crime, o caso é encaminhado pelo Coaf ao MPF (Ministério Público Federal).
No âmbito do Coaf e da decisão liminar citada, isto envolveu a insatisfação de Jair Bolsonaro com a postura do então presidente do órgão, Roberto Leonel, aliado de Sergio Moro, e que tinha atuado junto ao ex-juiz federal na Lava Jato. O fato se deveu às críticas de Leonel à decisão do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que suspendeu investigações criminais que estavam usando dados do Coaf, da Receita Federal e do Banco Central, sem autorização judicial.
A decisão de Toffoli foi devido a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, relacionado a investigações em curso pelo Coaf sobre movimentações suspeitas de ex-assessores do antigo gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), principalmente de Fabricio Queiroz, ex-assessor de Flávio na Alerj, em que as movimentações foram consideradas incompatíveis ao patrimônio deste mesmo ex-assessor.
As movimentações do presidente Jair Bolsonaro sobre o Coaf e também sobre a Polícia Federal (PF) provocaram um desgaste no então ministro Sergio Moro, que de pretenso superministro, passou para ministro manietado e fustigado pelo próprio presidente da República.
Moro se viu acossado pela perda de prestígio de aliados e derrotas de projetos defendidos por ele, como os de seu pacote anticrime. Os projetos derrotados incluem a derrota do plea bargain, que é um tipo de solução negociada entre o Ministério Público, o acusado de um crime e o juiz, e a derrota de prisão por condenação em segunda instância, o que desidratou o projeto original de Sergio Moro, por obra de um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados, que analisou o pacote anticrime do então ministro da Justiça.
No âmbito da PF, o presidente Jair Bolsonaro interveio na escolha do chefe da superintendência da PF no Rio de Janeiro, desautorizando o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, este que foi indicado ao cargo por Sergio Moro, e havia trabalhado com o ministro na Lava Jato. Bolsonaro acabou recuando, neste caso, pois a interferência do presidente na nomeação de cargos internos da PF poderia tirar o crédito da instituição, até a tentativa posterior de nomeação por Bolsonaro de Alexandre Ramagem como diretor-geral da PF, nomeação suspensa pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes.
No Coaf, o objetivo era retirar Roberto Leonel da presidência do órgão, e manietar Moro de seu objetivo que era o de colocar o Coaf como peça-chave na sua proposta de combate à corrupção. O enfraquecimento sistemático de Sergio Moro na sua passagem pelo governo de Jair Bolsonaro se deveu a uma saraivada de derrotas, com projetos derrotados e derrubados tanto no Congresso Nacional como por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal).
O golpe final foi dado, por sua vez, na exoneração do cargo do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, em que se alegou que foi feito a pedido do próprio por decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Justiça Sergio Moro, e publicado no Diário Oficial da União. Moro foi supreendido, pois a exoneração não foi a pedido, pois ele não tinha assinado a demissão, ou seja, era uma atitude deliberada de Bolsonaro. O cargo, sendo de livre nomeação do presidente, não tinha a necessidade de assinatura deste despacho por parte do ministro Moro.
Esta exoneração de Valeixo levou à consequente saída de Sergio Moro do ministério da Justiça, anunciando a sua demissão em entrevista. Moro saiu atirando, e a repercussão se deu pela colocação do ex-ministro, em que disse que o presidente estava fazendo obstrução da justiça, querendo intervir na Polícia Federal, para que esta ficasse a serviço dos interesses do presidente, por exemplo, na proteção contra investigações em relação a seus filhos.
Agora em 2022, Sergio Moro se lançou como possível candidato a presidente da República pelo Podemos. Contudo, acabou saindo do partido e se filiando ao União Brasil, em que buscava melhores condições para a sua candidatura, mas acabou sendo fritado por correligionários, que tinham outros interesses, e o presidente do partido, Luciano Bivar, acabou acatando a decisão da legenda, lançando-se a seguir como candidato a presidente, e depois saindo para dar lugar à candidatura agora oficial de Soraya Thronicke.
Sergio Moro acabou tendo que buscar um outro caminho no União Brasil, e este fato de ter sido limado de sua candidatura na legenda já era um fiasco, e que piorou ao se deparar com a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo de vetar a sua transferência de domicílio eleitoral para o estado de São Paulo, tendo que se lançar politicamente no Paraná e enfrentar uma máquina política comandada pelo governador bolsonarista e candidato à reeleição Ratinho Júnior, do PSD, e concorrer ao Senado contra Álvaro Dias, do Podemos, seu ex-partido.
Parece que o faro de oportunidade para um carreirista como Sergio Moro faltou em 2018, pois aquele era o momento dele rasgar a fantasia e se lançar como presidenciável competitivo, surfando na onda de seu sucesso na Lava Jato, que ainda estava em alta na opinião pública. Contudo, ele se encalacrou em uma contradição nevrálgica ao entrar no governo de Jair Bolsonaro, e ser manietado pelo próprio presidente, ao invés de se tornar superministro e concorrer a uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal). Seu enfraquecimento se agravou depois de sua saída do governo Bolsonaro, ao ver a sua obra maior, seu Opus, a Operação Lava Jato, ser descontinuada, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou a Vara de Curitiba como incompetente para ter feito os processos contra políticos condenados pela operação, com o resgate do juiz natural, e com vários processos sendo extintos.
O final melancólico desta trajetória desastrada, é que o tal SuperMoro, que tinha um boneco inflável na rua, um novo Torquemada ou Savonarola da Operação Mãos Limpas, com afetações americanizadas e pretenso Mani pulite tupiniquim, virou um anão político, sendo reduzido em suas ambições, por fim, no União Brasil, lidando com um covil de raposas que fizeram Moro de gato e sapato, sem mais. E cabe uma frase bem conhecida e que define bem esta trajetória repleta de escolhas e decisões que representam um desastre tático e estratégico: a montanha pariu um rato.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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