Sendo o uso do solo que mais cresce no Espírito Santo, o monocultivo de eucaliptos merece ter a dedicação dos cientistas da ecologia de forma que fique devidamente explicada e quantificada as relações íntimas entre a expansão do deserto verde e a extinção de espécies nativas da Mata Atlântica.
Segundo dados do Atlas da Mata Atlântica, lançado em abril de 2018, de 2007 a 2015, a cobertura do solo com florestas nativas cresceu apenas 27,17 mil hectares, enquanto a cafeicultura aumentou em 36,2 mil, e a eucalptocultura, a “campeã”, contagiou 45,34 mil hectares a mais do território capixaba.
Infelizmente, o crescimento dessa monocultura tende a seguir em ritmo acelerado, continuando sua função de abastecer as fábricas da multinacional Aracruz Celulose (Fibria/Suzano), pioneira na introdução da árvore exótica no norte do Espírito Santo, e também da Placas do Brasil, recém-instalada no noroeste capixaba.
O eucalipto é a grande tragédia do desmatamento da Mata Atlântica no Espírito Santo, há mais de meio século. É urgente, portanto, se pesquisar a sua grave responsabilidade sobre o fenômeno da extinção das espécies, que fez dobrar a lista vermelha capixaba em 14 anos, saltando de 950 espécies da fauna e da flora em 2005, para 1.875 em 2019.
Lastimável, no entanto, é constatar que o Estado tenha se submetido, historicamente, à tamanha subserviência ao poder econômico da papeleira Aracruz Celulose. Submissão essa explicitada de forma aviltante por um artigo recente do ex-governador Paulo Hartung, que destacou a política “des”florestal da empresa da família Lorentzen como exemplo de gestão ambiental e sustentabilidade.
A omissão da academia é talvez ainda mais indigna. Com um rico material nas mãos para investigar, é mesmo difícil justificar a ausência de estudos que evidenciem o efeito da expansão do deserto verde sobre a intensificação da extinção de espécies.
Exemplo dessa negligência pode ser constatado na divulgação, na imprensa corporativa, da atualização da lista de espécies ameaçadas do Espírito Santo. O porta-voz do trabalho, biólogo Sergio Lucena, tem afirmado que as causas do aumento drástico do número de animais e plantas sob ameaça de desaparecer – como já aconteceu com a arara-vermelha, por exemplo, que de tão abundante na região de Itaúnas (Conceição da Barra) encantou o naturalista Augusto Ruschi, principal defensor da criação do parque estadual homônimo, localizado na bacia hidrográfica mais castigada pelo deserto verde – são o uso de agrotóxicos, a caça, o aquecimento global e, genericamente, o desmatamento.
A classe científica, quando de fato se dispuser a intervir positivamente para neutralizar e reverter o desmatamento no território capixaba, deve beber em sua fonte mais notável e aprender a aplicar o conhecimento em políticas públicas e ações relevantes, como o fazia o Patrono da Ecologia do Brasil, grande denunciador dos malefícios dos eucaliptais sobre as florestas e o solo do Espírito Santo.
Há mais de trinta anos o grande cientista faleceu. E desde então, o Estado nunca mais viu sequer sombra de uma ciência realmente comprometida com a conservação da Mata Atlântica.