Na guerra entre o novo vírus e a velha tradição natalina, quem ganha é a Amazon
Mais um natal e o inimigo ainda controla nossas vidas. Guerra é guerra, diz o insidioso vírus, zombando da ciência e da nossa paciência. Até quando? Vacinas não faltam, e mesmo assim ainda usamos máscaras, lavamos bem as mãos, álcool em gel é campeão de vendas, deixamos de ir ou deixamos de ficar. Mas algum coisa boa herdamos dessa batalha insana – mais contato familiar, justamente pelo direito de continuar juntos, mesmo mantendo distância.
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O Natal deste ano não vai ser igual àquele que passou. Qual deles? O de antes ou o de antes do antes? As árvores foram decoradas mais cedo, as luzinhas piscam mais, e os bonecos inflados brigam por mais espaço nas portas e janelas. “Chega pra lá, oh meu!”. Lojas lotadas e entregas a domicílio convivem pacificamente. As prateleiras de produtos natalinos estão vazias. Ao que tudo indica, na guerra entre o novo vírus e a velha tradição natalina, quem ganha é a Amazon.
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Enquanto nossa Amazônia vira deserto, o Brasil comemora 70 gloriosos anos de novelas televisivas – TV Tupi: Sua vida me pertence, 1953. Mensagem da irmã no WhatsApp: Pensei que era “O direito de nascer”. Se não foi a primeira, foi por certo a mais famosa. Não era brasileira, mas cubana, e fez muita gente chorar na frente do rádio. Depois vieram as versões para a televisão e o cinema.
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Que eu saiba, minhas irmãs e eu fomos as únicas pessoas que não tiveram o direito de acompanhar o drama da mãe solteira abandonada pelo sedutor mau-caráter – imprópria para menores. Ia ao ar às 9h30, e naqueles idos, criança dormia às 9h. Como no final tudo sempre acaba bem, era ainda um mau exemplo para menores. O jeito foi usar o golpe do copinho – encostar um copo na parede, grudar o ouvido, e ver o que se conseguia captar. Não muito, mas ajudava, principalmente na hora da choradeira. E lágrimas não faltaram. Das três irmãs, só uma teve coragem de desobedecer a ordem estabelecida: pulava a janela e ia ouvir na casa dos vizinhos. Papai acabou descobrindo e mandou pôr grade no janelão. Desse pequeno drama familiar, podemos deduzir a importância do folhetim e a rigidez dos códigos morais vigentes.
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Mas também a longa duração da tragédia – tempo suficiente para encomendar e instalar uma grade de madeira, inibindo nossos direitos de ir e vir pelas casas das amigas vizinhas enquanto os pais roncavam. Lá fora, amor, todo mundo chorava com os dissabores da Maria Helena e Mamãe Dolores. No colégio era assunto obrigatório na hora do recreio, e nós ficávamos alienadas dessa saudável interação cultural. Não exatamente, porque todas as amigas vinham contar, tintim por tintim, tudo que aconteceu no capítulo anterior. Não sei de outra novela que tenha causado tanto impacto no país, defendendo o direito do Albertinho Limonta nascer. Acho que foi a primeira novela com mensagem social, ao expor e defender um tema que era tabu na época.
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Nossa primeira novela radiofônica foi “Em busca da felicidade”, na Rádio Nacional, em 1941. Outro dramalhão cubano, e me pergunto se não tinha roteiristas no Brasil. Tinha muitos, mas essa foi a escolhida pelo patrocinador, “O famoso Creme Dental Colgate”… o horário matinal! O manda-chuva acertou em cheio – a novela se esticou por dois anos, para gáudio das massas, e criou regras para o folhetim que perduram até hoje. Boas festas e muitos presentes para você que me acompanha nestas despretensiosas novelas virtuais, lutando pelo direito de ser feliz. No ar, O melhor de todos os natais.