Muitas vezes já refletimos aqui sobre o processo de enxugamento de gelo que se dá na segurança pública do nosso país, mas hoje vamos falar da porta de entrada para o mundo do crime, para buscar o que pode ou poderia ser feito para combater o mal pela raiz.
Para limpar a área de reflexão precisamos antes, lembrar de nossas responsabilidades na questão. Sabendo que o maior produtor de crimes é o tráfico ilegal de drogas, questionar a legislação a esse respeito seria o primeiro passo: afinal qual é o interesse do Estado em manter ilegal um tráfico que Ele não participa oficialmente embora ocorra embaixo de suas “barbas” e ainda contribua para sua própria corrupção?
Lembrando que o Estado deve cuidar do interesse maior de sua população, ser responsável pela sua melhor vida e, considerando que o uso recreativo ou medicinal de drogas é uma atitude individual, podemos perguntar: por que a população precisa pagar uma conta tão alta para proibir o cidadão de ingerir o que ele queira? Ou ainda: qual é o critério para classificação, pelo Estado, das drogas legais e ilegais? São seus efeitos no cidadão, na sociedade, na segurança, na economia, na política ou onde mesmo?
Como preâmbulo da reflexão ainda precisamos de um dado: Qual é a conta da proibição e quem paga?
Se formos pensar no cidadão usuário, ele paga pela sua droga o preço de produção, transporte e distribuição acrescido do que vamos chamar de “taxa de ilegalidade”, ou seja, a corrupção do Estado, com propinas que vão desde o policiamento ostensivo, investigativo, prisional, até as altas esferas judiciais, que contaminam as entranhas do Estado com um jogo de cena de repressão ineficaz e nocivo.
Direcionando o foco de nossa reflexão ao “cidadão não usuário” vamos encontra-lo com a vida onerada pelo próprio inchamento dos setores oficiais de repressão e obrigado a conviver com a corrupção desses setores, ou seja, não produz, não transporta e não consome, mas paga a conta.
Feito todas essas considerações e esclarecimentos vamos aos jovens.
Também precisamos identificar esses jovens que se envolvem no movimento do tráfico, para entende-los antes de o analisarmos frente ao Estado.
Sabemos que vivemos realidades distintas em cada meio social desse país, com essa distinção transparecendo muito claramente na formação dos territórios. Sabemos ainda que a delinquência juvenil é bem mais expressiva nos meios de maior carência, nas periferias, exatamente onde o Estado é cada vez mais ausente, à exceção de seus organismos policiais repressores.
A carência do Estado nesses territórios estabelece uma rotina de luta e resistência às famílias que lhes tira a mínima condição de uma educação própria a seus jovens. Seja pela falta de equipamentos públicos de qualidade como escolas, centros recreativos, dentre outros ou oportunidades de inserção na chamada “sociedade dos homens de bem” o que até mesmo seu endereço os exclui.
É daí que sobram jovens e adolescentes carentes de tudo, inclusive de atenção, cujos pais que, em muitos casos são reduzidos à mãe protetora e provedora, por isso ausente, deixando seus filhos “ao Deus dará” naquela “terra de ninguém”.
Somando a isso vejamos a visão do outro lado, ou seja, do próprio mundo do crime, que vê no adolescente uma mão de obra barata e eficiente, cujo ato criminoso, se descoberto, acarreta punições menores em internações compulsórias que, em suma, são verdadeiras escolas do crime e que sua passagem por lá já o credencia à carreira lhe dando inclusive “moral” naquele mundo.
Assim podemos vislumbrar primeiramente a incoerência do ordenamento legal que não favorece a população, mas também a ingerência repressora do Estado na vida privada do cidadão, sua presença exclusivamente nociva na vida dos jovens e adolescentes, principalmente dos territórios de periferia e os processos ressocializadores falidos. Contudo, não estamos falando do Estado como instituição e sim como reflexo do “ethos” de um povo, que está sempre mascarado com um idealismo hipócrita e nocivo.