A vida em sociedade, desde Aristóteles Séc. IV a.C, é uma exigência de nossa natureza, somos “Zoon Politikon”, animais políticos. A modernidade amadureceu (?) para os “Contratos Sociais”, onde o Estado nos representa nas questões básicas e necessárias, principalmente na garantia da vida, do patrimônio e das liberdades individuais.
No Brasil de hoje podemos dizer que estamos “pela hora da morte”. O Estado se posiciona de uma forma tão particular, tão casuísta por seus governantes, que acaba por confundir aos menos esclarecidos sobre o caráter plural e coletivo de seu papel. Conduz a máquina pública de forma que as instituições chegam ao absurdo de se mostrarem “subjetivas” (se assim pudermos nos referir à instituições) e fazem até muita questão disso. É sempre a visão de mundo do governante que envolve a consciência nacional, mesmo que estabeleça as divisões de poder em situação, oposição, etc.
A legitimação desse modelo destrutivo de visão política se populariza, dividindo a população em torcidas (des) organizadas, tergiversando a visão idealista de Estado e prolongando as campanhas eleitorais para todo o período de execução do governo. É comum esse discurso receber uma defesa “rápida e lógica” no argumento de que quem ganha a eleição tem “licença” do povo para implantar seu projeto.
Pois bem, vamos analisar melhor.
O Estado é o representante de toda a população e não de grupos dessa. Com um ou outro grupo político-ideológico no comando da burocracia estatal, o regulamento não muda, o contrato tem suas regras definidas na Constituição e os eleitos, antes de qualquer coisa, estão submetidos àquelas prescrições e normas. O grupo governante é apenas uma parte distinta do funcionalismo público, transitória, que tem como obrigação gerenciar essa máquina para cumprimento de sua função, que também já é definida.
Infelizmente nossa construção ética, em suas características de passionalidade e bairrismo, traz um personalismo extremamente prejudicial à democracia, que a todo momento flerta com o fascismo em sua retórica populista, muito eficiente no sentido separatista das pessoas e grupos, se apossando de: “valores tradicionais”, “moral”, “honestidade”, “acerto das coisas”, “iluminação”, etc., mas, no “frigir dos ovos”, a gordura que sobra é sempre prejudicial ao Estado enquanto instituição plural e garantidora de direitos.
Em nível nacional, o pensamento liberal já desqualificou qualquer defesa de pluralidade, de preservação ambiental e direitos individuais, e até do conhecimento, em nome desse fascismo da construção social produtiva e da conveniência à expansão e exploração do capital, em detrimento do ser humano. Isso transparece na não exigência de apuração dos fatos que de alguma forma sejam tropeços para seu projeto, como o “auto despatriamento” forçado do deputado Jean Willis, o assassinato de Marielle Franco e seu motorista Anderson, ou ainda, na “execução” do miliciano Adriano numa flagrante queima de arquivo.
Em todos os três exemplos os argumentos do fascismo ajudam a manter a sujeira embaixo do tapete afinal, todos estariam encaixados no que esse fascismo já classificou de danoso à “moral”, aos “bons costumes” ou à “sociedade de bem”.
Em nosso Estado estamos assistindo um desrespeito tão grande à população, fundamentalmente na questão da segurança pública, que nos permitiria romper o contrato social e exigir a devolução do imposto para trabalharmos nossa própria segurança.
Podemos ilustrar com o ocorrido na capital, na última sexta-feira (14), com interdição de vias públicas, depredação, ameaça e medo, mas também observamos, mesmo durante a “normalidade”, que suas áreas públicas são pouquíssimo utilizadas pela população, por falta de garantias de segurança, a exemplo dos desertos noturnos que são a orla nobre que compõe a Curva da Jurema até a praia do Iate, a Praça do Papa, isso somente para citar as ditas “áreas nobres”, porque se formos para a periferia, aí que a casa cai mesmo.
Constatados esses equívocos de trajeto nos resta, minimamente, descentralizar o poder criando fóruns de discussão popular, fortalecer as instituições e trabalhar o amadurecimento da democracia para uma versão participativa, antes que o Estado perca sua função e decrete sua própria falência ou, o que é pior, se torne totalitário.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia