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O Estado, o governo e a educação

O quanto interfere na vida do Estado um governo tirano

Somente uma pequena parcela da população tem clareza da relação de si com o Estado, do governo com o Estado, da atuação política do governo no Estado, e os reflexos em suas vidas.

Bem, o Estado é o contrato que temos para viver em sociedade. Majoritariamente preocupado com as inter-relações, a propriedade, o trabalho, o capital e o social. Já o governo é o comando da burocracia desse Estado e se dá, em nossa democracia, por eleição direta de representantes para mandatos que podem ser renovados, consecutivamente, uma vez.
A noção mais básica e importante é a de transitoriedade desses governos, ou seja, o Estado é permanente e deve estar sempre voltado ao povo e o governo, passageiro, na maioria das vezes voltado a interesses de grupos.

É claro que faz parte do jogo democrático essa alternância de poder e com ela as mudanças de rumo no andamento do Estado, mas é preciso estar atento às mudanças e suas consequências temporais. Muitas vezes a ação de um “mandatário” de quatro anos promove alterações que vão muito além de seu mandato. Os territórios mudam, as relações, a assistência, os valores, a moral, etc.

Expor essas mudanças ao povo é sempre motivo de reflexão dos governos. Se são obras, haverá a preocupação de que apareçam como marca daquele governo e, por isso, são escolhidas intervenções o mais aparente possíveis, talvez esse seja o motivo pelo qual estejamos tão atrasados em obras da importância do saneamento básico: enterradas, essas obras não cumprirão esse propósito. Contudo, existem as ações de fundo ideológico, geralmente sorrateiras, produzidas nos gabinetes, sempre a meia luz da compreensão do povo, que, no fundo, são as mais preocupantes, estarão sempre voltadas ao DNA dos políticos do poder e promovem alterações substanciais e duradouras na vida da população.

A proteção da sociedade frente a essas transformações intencionais acontece, no momento eleitoral, frente às ideologias representadas no processo. Hoje, com a dicotomia maniqueísta que vivemos no Brasil, só existem duas: a esquerda e as demais, mas mesmo assim ainda acontecem os dissabores e as contradições nesses campos com as ideologias as quais se identificam. Por exemplo: ao escolher um governo de fundamento religioso cristão, o que em si já se caracteriza um erro grave para um Estado que se queira laico, espera-se ações voltadas à compaixão, à alteridade, empatia, amor, perdão, essas coisas, mas logo percebemos que o fundamentalismo, intolerante e violento, muito mais divide que une.

No Espírito Santo, hoje temos um governo de DNA socialista, o que poderia ser uma garantia de movimento pró esclarecimento e liberdade. Lá atrás, quando o escolhemos, esse era um marco importante, mas as atitudes foram se modelando a interesses e, essa identificação a que chamei DNA, foi se perdendo frente a esses chamados “interesses maiores”.

Assistimos isso no gerenciamento da pandemia quando, toda a resistência à pressão da economia que vinha sendo sustentada pelo governo do Estado, fez água de uma hora para a outra, e ninguém entendeu quando o governo, mesmo com os números semelhantes ao momento em que fechou atividades no percurso da pandemia, manteve o funcionamento inclusive das aulas presenciais.

A descaracterização ideológica maior desse nosso governo “socialista” transpareceu na educação por meio da portaria 150-R, de 11 de dezembro de 2020.

A reforma do Ensino Médio aprovada no governo Temer em 2017 trouxe sua marca ideológica na preocupação de que a educação produza “seres-mercadorias” voltados ao atendimento às necessidades da sociedade capitalista de mão de obra como mercadoria para expansão do capital, fortalecendo os jargões: projeto de vida, empreendedorismo, dentre outros utilitarismos do adestramento popular, travestido de educação. Contudo, essa reforma deixou aos governos estaduais sua adequação/regulamentação, o que poderíamos, voltando a compreensão da escolha ideológica do momento eleitoral, minimizar esses efeitos pretendidos pelo governo federal, mas o que aconteceu não corresponde ao que nos pareceria lógico.

Sem abrir a discussão com a sociedade educacional, o ES rezou a mesma cartilha do governo Temer, reduzindo a oferta dos componentes curriculares que pudessem trazer a reflexão social, política e humana (Filosofia, Sociologia, Educação Física e Artes) em detrimento da construção dos “robôs úteis ao desenvolvimento produtivo da sociedade”.
Enfim o povo capixaba foi traído com a descaracterização ideológica do Governo do Estado e, se nada for feito, as consequências serão longas e desastrosas, mas registradas nos anais da história como a atitude ideológica contraditória de um governo socialista.

É lamentável e de péssimo serviço à educação política mais essa decepção do povo “esclarecido”. São essas atitudes que fortalecem essas insurgências da direita radical em nossa sociedade.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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