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O fiasco de Bolsonaro

Pior momento para a imagem do Itamaraty, com o Barão de Rio Branco se rebatendo na tumba

A reunião feita com embaixadores no dia 18 de julho, uma segunda-feira, pelo presidente Jair Bolsonaro, foi algo sem precedentes, no pior sentido, em matéria de diplomacia mundial. Isto é, não existe nada parecido com o que aconteceu nos anais da diplomacia mundial. Foi uma reunião surreal.

Em uma tentativa mambembe de contestar a lisura das urnas eletrônicas, que tem sido mais uma arenga, dentre várias, deste governo que começou em 2019, o presidente, desta vez, viu o tiro sair pela culatra, numa repercussão péssima, em dimensões nacionais e internacionais.

Os ataques ao sistema eleitoral e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), contrariando qualquer recomendação da diplomacia tradicional, não conseguiram nenhum apoio do corpo diplomático, e vai de encontro a critérios de razoabilidade e até de factibilidade do que o que era mesmo que estava sendo dito, proposto ou tratado neste encontro, isto é, soou como algo inusitado, e mais duramente, como uma coisa sem pé nem cabeça.

E para dizer outra coisa importante deste encontro com embaixadores, não houve respaldo algum entre parceiros comerciais do país, pelo contrário, estes atores reforçaram o recado de confiança nas urnas eletrônicas e, portanto, no sistema democrático do Brasil.

Embora a delegação da União Europeia tenha evitado comentar o evento, a embaixada norte-americana emitiu uma nota no dia seguinte em que reforça a confiança nas urnas eletrônicas, colocando o sistema eleitoral brasileiro como um modelo para o mundo. E a declaração do porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Ned Price, reafirmou esta posição de aprovação deste sistema eleitoral eletrônico do Brasil, e que as eleições brasileiras serão acompanhadas com grande interesse.

Entidades como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização de Cooperação e Segurança Europeia (OCSE) possuem vasta experiência técnica em fiscalização de eleições, assim como entidades privadas, como a Fundação Carter. Se houvesse suspeita real destas urnas, por exemplo, bastava convidar estas organizações para missões de observação com as condições dadas para isto.

Contudo, o que poderia ser chamado de fake news, factoide, boato, na verdade podemos chamar de pretexto, com um outro sentido etimológico bem conhecido, que é a conversa fiada. Ou seja, não existe nem fundamento para que haja fiscalização sistemática por parte destas entidades e organizações, pois as vulnerabilidades de segurança das eleições no Brasil já foram testadas por hackers, dentre outras medidas.

Para saber, o que ocorreu no Palácio do Alvorada, uma preparação amadora de contestação golpista das eleições, não existe em política externa, em que a visão pessoal de um presidente é discutida com representantes estrangeiros, algo sem sentido do ponto de vista diplomático e um fiasco do ponto de vista internacional e nacionalmente, dada a repercussão.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rebateu declarações de que um hacker teve acesso a tudo dentro da corte eleitoral. Esta narrativa já é desmentida há anos, pelo fato, por exemplo, de o sistema das urnas eletrônicas não funcionarem em rede. As urnas eletrônicas também não estão conectadas à internet, em que o dispositivo funciona de modo isolado e não realiza transmissão dos resultados da eleição, pois estes são conferidos logo após o término da eleição, com a impressão do Boletim de Urna.

O fiasco desta reunião de Jair Bolsonaro, em teoria diplomática, foi ao mundo real quando uma série de cartas em defesa da democracia começaram a ser redigidas e divulgadas, incluindo a carta principal, que foi uma nova Carta às brasileiras e aos brasileiros da USP, inspirada na carta de 1977 lida pelo professor Goffredo da Silva Telles Junior, que comemorou agora 45 anos, e que denunciava o regime militar.

Esta nova carta foi lida em 11/8/2022, uma quinta-feira, em um evento na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A adesão foi enorme, alcançando mais de um milhão de assinaturas. Com grande repercussão, foi assinada até pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), e uma das poucas instituições que tergiversaram e não assinaram foi a CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Os principais presidenciáveis, Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) também assinaram a carta. Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff também apoiaram a iniciativa.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) não assinou a carta da USP, contudo, redigiu documento próprio, em que recebeu adesão de políticos, ONGs, sindicatos de trabalhadores, universidades, etc. Jair Bolsonaro declinou do convite de assinar esta carta e desdenhou a iniciativa, pois parece que a carapuça serviu, o que coloca mais uma pá de cal nesta tese estapafúrdia e renitente, uma das diversas arengas deste governo, que podemos presenciar desde 2019.

Outra carta foi de órgãos de imprensa, em que três associações de comunicação redigiram documentos defendendo a liberdade de imprensa, incluindo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Tivemos também a carta da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), intitulada “Manifesto à nação em defesa da democracia”.

Historicamente, em 24 de outubro de 1943, tivemos o chamado Manifesto dos Mineiros, no aniversário da vitória da Revolução de 1930, publicada por importantes nomes da intelectualidade liberal mineira em que se defendia a redemocratização e o fim do regime do Estado Novo sob Getúlio Vargas.

A carta não abalou o regime, que ainda se encontrava forte em 1943, mas foi uma referência no processo de redemocratização que se deu em 1945, dando fim ao Estado Novo, o que incluiu em janeiro deste ano a exigência feita no Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores por um governo eleito por sufrágio universal, direto e secreto. O Manifesto dos Mineiros depois foi publicado em jornal e resultou em prisões, demissões de cargos públicos e perseguições aos signatários.

A Carta aos Brasileiros de 1977, que inspirou esta agora de 2022, foi redigida pelo jurista Goffredo da Silva Telles Jr, sendo lançada em 8 de agosto de 1977, ocasião em que se comemorava o sesquicentenário da fundação dos cursos jurídicos no Brasil, no Largo de São Francisco da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como repúdio à ditadura militar. Esta carta foi feita como uma reação contra o Pacote de Abril, em que o presidente Ernesto Geisel alterava a Constituição Federal, outorgada em 1969 pela Junta Militar, para a criação dos senadores biônicos e com várias medidas de restrição à liberdade.

Em declaração recente, na cerimônia de formatura de aspirantes a oficiais do Exército de Resende – RJ, onde ele acompanhou uma motociata em sua homenagem na via Dutra, o presidente Jair Bolsonaro afirma que respeitará o resultado das urnas, mesmo que sofra uma derrota.

Parece que este discurso ambíguo, um tipo de jogo duplo, se repete nas declarações deste governo, e certo que a ressalva vem em seguida, com o compromisso do presidente em contestar o resultado, caso seja derrotado, mas que diante da repercussão civil e institucional, com diversos órgãos e fundações reagindo, abaixo-assinados e refutações internacionais, com um convescote ridicularizado pela diplomacia mundial, o pior momento para a imagem do Itamaraty, com o Barão de Rio Branco se rebatendo na tumba, ficou de bom tom Bolsonaro fazer este recuo aparente.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog
: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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