Alivia o momento comprometendo o futuro, mas dá voto!
Clássica do Renascimento, século XVI, esta obra rompe o romantismo da “adoração ao governante” herdado da monarquia e revela as características comuns aos ocupantes do poder, podemos afirmar, de quaisquer regimes, e pior, por todos os tempos.
Partindo da premissa de que o importante é que pareça ser, mesmo que não seja, o governante justifica suas ações como parte da luta “pela felicidade do povo”, quando, em verdade, a única coisa que lhe importa é se manter no poder.
Desta visão, particularmente reveladora do sujeito que ocupa o poder, e em se tratando de um clássico (que mesmo passados 500 anos continua a dialogar com a realidade), surge o termo maquiavélico que, a rigor, representa o governante que o filósofo descreve em O Príncipe. É preciso atentar para o fato de que a leitura que Maquiavel faz do Príncipe serve muito mais como um alerta para o povo, que um manual para um governo tirano.
A exemplo disso, a atual conjuntura política brasileira se revela um governo que podemos taxar de “maquiavélico”, mesmo sabendo que o presidente dificilmente tenha tido contato com a letra do filósofo ou mesmo com a Filosofia, ele simplesmente aderiu ao popular “maquiavelismo”. Esta postura está sempre muito clara em seus discursos e em sua ação política, que tem sempre uma realidade aparente muito distante da concreta.
A chamada “PEC kamikase”, que rompe o regulamento eleitoral e interfere diretamente na eleição, é um exemplo gritante de golpe e, faz todo esse estrago protegido pelo discurso de “aliviar o povo pobre e os caminhoneiros frente ao aumento no preço dos combustíveis”, quando, pelos ensinamentos de Maquiavel, sabemos que se trata de uma estratégia suja de angariar votos.
A questão da disparada no preço dos combustíveis é uma questão mundial, frente a todos os problemas desta década, onde se ressalta a pandemia e a guerra. Contudo, é preciso considerar também que, sendo o Brasil um grande produtor de petróleo, poderíamos estar mais aliviados da crise mundial, se o nosso petróleo não estivesse servindo ao enriquecimento de investidores, ao invés de beneficiar ao povo brasileiro.
Oferecer um aumento no auxílio à pobreza e aos caminhoneiros, faltando cinco meses para o final do mandato, além de fraldar a eleição, demonstra uma irresponsabilidade enorme frente à possibilidade de deixar um rombo no caixa, obrigando ao próximo governo enfrentar revoltas populares, acertando o caixa, ou sacrificar áreas importantes para manter o benefício.
Mas o pior de tudo isso, é que a parcela beneficiada da população jamais entenderá as razões para combater tal medida, mesmo porque, é antigo o argumento de que “em casa que não tem pão, todos gritam e ninguém tem razão”.
Por fim, vale o diálogo esclarecedor, principalmente junto à população mais necessitada, para garantir o usufruto do benefício sem que ele se transforme em credibilidade a esse governo “maquiavélico” – na dimensão mais pejorativa possível do termo.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia