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O inferno de Trump – parte 1

Trump e Putin pensam e usam táticas imperialistas do século XIX

Uma cena inusitada, bem bizarra, se desenhou no Salão Oval da Casa Branca. Era a encenação de uma humilhação. Nunca se viu um diálogo tão agressivo, ao vivo, para o mundo inteiro, entre governantes de países, em encontro pretensamente diplomático, mas que virou uma saraivada da hipocrisia e arrogância norte-americana, condensada em Trump.

Tal cena ganhou ares mais obscuros com J.D.Vance, em cima de um acuado Zelensky, representando o elo mais fraco, de mãos atadas, reagindo, pela última vez, a uma investida desmoralizante. E não se sabe se o desastre foi ensaiado, ou um verde jogado por um ardil trumpista, com a linha auxiliar de J.D. Vance, ou se a reação de Zelensky foi o que despertou os instintos narcisistas do atual governo norte-americano.

Da propalada e conhecida arrogância diplomática dos Estados Unidos, de seu imperialismo narcisista, tal cena é uma epítome do que se vê, historicamente, da conhecida hipocrisia da real politik deste imperialismo dos Estados Unidos, cuja única preocupação não se dá com valores caros como a paz, a comunhão das nações, ou coisa que o valha, mas o maior benefício, em sentido utilitarista, do próprio Estados Unidos.

A cena constrangedora e humilhante, num didatismo que parecia de inspetores escolares diante de um adolescente ou criança que se comportara mal, foi surreal. Era uma caricatura dantesca, e que representa agora uma virada do paradigma geopolítico mundial, que culmina com o derretimento da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). E o patético da cena toda era o de um presidente de uma nação de joelhos, num tipo de diplomacia de psicopatas, de uma presa acuada, que estava sendo estraçalhada por lobos, rapinas ou raposas políticas.

Esta virada diplomática trumpista representa a quebra do pacto da Otan, que é a coluna vertebral do edifício erguido nos acordos do pós-guerra, organização surgida depois da derrota do Eixo e do estabelecimento de um mundo bipolar da Guerra Fria. Esta criação da Otan, por sua vez, produziria uma reação do bloco socialista da época, com o chamado Pacto de Varsóvia, pacto este que foi extinto com a queda do Muro de Berlim, o desmantelamento da Cortina de Ferro e a dissolução da União Soviética.

A ruptura com antigos aliados, por parte da política trumpista, por sua vez, dá um sacode na ordem geopolítica mundial, cuja aliança se fecha em torno de Putin e de sua autocracia de gângster, com assassinatos de oligarcas e envenenamento de presidentes opositores.

Putin é o líder russo mais longevo da História, ultrapassando Pedro, o grande, e Stalin, o ditador do totalitarismo soviético, este que fez um expurgo de inimigos, na tradição da KGB, que também operava nos bastidores, com técnicas escusas de gângster e quetais, com eventos criminais como a morte de Trotsky, que se encontrava exilado no México quando foi assassinado, por exemplo.

A partir do pós-guerra, em 1945, a chamada ordem mundial liberal passou a se fundar em órgãos internacionais, que regulavam tanto o direito internacional como os regramentos das relações internacionais, com a ONU (Nações Unidas), com sua Assembleia Geral e Conselho de Segurança, fortalecendo compromissos, normas e princípios, em que se estabeleciam o respeito à soberania, à integridade territorial, além da resolução pacífica de disputas e a rejeição do uso da força e a defesa dos direitos humanos.

Tal ordenamento internacional foi subvertido pelas invasões russas na Ucrânia, o que não foi um ineditismo, pois na História recente também tivemos a Guerra contra o Terror, do governo norte-americano de George W. Bush, contra o chamado Eixo do Mal, projeto que terminou na metade, sem as intervenções na Síria e no Irã, e com países como Iraque e Afeganistão virando verdadeiros atoleiros para as Forças Armadas dos Estados Unidos.

Tais quebras de regras também já tinham ocorrido, na Guerra dos Bálcãs, com crimes de guerra do ditador sérvio Slobodan Milosevic, em Srebrenica, na Bósnia-Herzegovina, com flagrantes violações aos direitos humanos. Ordem mundial liberal esta que também se funda em valores como o do livre comércio, defendido por instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.

Contudo, os Acordos de Helsinque, de 1975, que foram tratados assinados entre os Estados Unidos, a então União Soviética e as nações da Europa, para reforço da integridade territorial, inviolabilidade das fronteiras e a não interferência nos assuntos internos de cada país, estão sendo destruídos pelas tratativas entre Trump e Putin.

O que ocorre na restauração dos laços econômicos entre Washington e Moscou é algo semelhante a um novo Acordo de Munique, ou um novo Pacto Molotov-Ribbentrop, uma revolução diplomática que dissolve todos os princípios acordados e assinados nos Acordos de Helsinque.

Trump e Putin pensam e usam táticas imperialistas do século XIX, podendo ter um paralelo com o que ocorreu na Conferência de Yalta de 1945, em que os Estados Unidos, a União Soviética e o Reino Unido dividiram a Europa em esferas de influência após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Por sua vez, Trump coloca em prática o tarifaço, já com a reação do Canadá, do México e da China, numa tática que faz anúncios mão dura, podendo alternar com pequenos alívios, num jogo complexo que atua de modo disruptivo e que planta o caos diplomático numa dinâmica que pode, se tiver mesmo uma radicalização, ser autodestrutiva, desagregadora, muito mais para criar um mercado inflacionado, tenso, do que para um esperada vitória hegemônica dos Estados Unidos, como Trump acredita.

O viés econômico destes tarifaços de Trump é irracional, baseado no discurso mão dura, feito por emoções tóxicas, e que produz ruído, caos, mal-estar, com um líder mundial de maus bofes, sofrendo de mal secreto, bufão, tarado, e que mantém esta imagem populista dentro de seu país, que é cultivada pelos mais idiotas da nação, como disse em coluna anterior.

(continua)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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