Entre Chronos e Kairós, a opção pela vida
Precisamos urgentemente encarar e aceitar a morte do velho, em todos os sentidos.
Para que a criança floresça o bebê tem que morrer, o adolescente mata a criança e o jovem mata o adolescente. O adulto é morto pelo velho que acaba vencido pelo tempo.
Essa ordem natural, baseada no devir heraclitiano, justifica o mundo e, apesar de toda nossa pompa de racionais, a verdade é que ainda não elaboramos a lição de mais de 2.500 anos.
Muitas pessoas resistem, com todas as suas forças, à ascensão do novo, não querem lhe ceder o lugar. Na maioria das vezes o novo ameaça…uma nova visão para velhas convicções, pode levar a conflitos terríveis.
Isso me parece muito claro quando vejo pais e avós reclamando da qualidade da infância de seus descendentes, por que não brincam nas ruas, não fabricam seus brinquedos e coisas desse tipo. Penso que querem retroceder seus filhos e netos no tempo, mas aqueles estão tão envolvidos em suas tarefas – de mudar o mundo velho que não os atende – que nem percebem as angústias dos progenitores. Estão sedentos com as novas linguagens, tecnologias, formas, cores, possibilidades, com a velocidade de transformação, de transfiguração, enfim, do giro do mundo, em suas buscas. Quando posso, até provoco: enquanto você quer para ele a experiência do carrinho de rolimã, ele quer construir sua própria nave espacial ou viajar pelo espaço de dentro de seu quarto.
As cidades também passam pelo mesmo processo. São velhas, ultrapassadas, não comportam mais as pessoas, os equipamentos, os eventos, as relações. Cultuam heróis que já se tornaram bandidos e lutam por eles…
Que pena…
Tem uma qualidade de velho que precisa acordar. Deixar de ser vítima do tempo e passar a seu aliado, incentivador do novo. Abandonar Chronos e cultivar Kairós, na ânsia de ainda poder compartilhar dele no novo mundo. Abrir mão de seu trono e se deliciar em ser expectador e até partícipe de alguma coisa que nunca passou pela sua cabeça. A novidade.
Encontramos até mesmo na arte, na poesia e no esporte, que são manifestações mais espontâneas da cultura, a autoridade do velho – investindo ou não, julgando, classificando, prescrevendo formas – mas o grande império se dá na educação, na economia, na comunicação e, principalmente, na política.
Esse entrave geracional, inibidor do novo, acaba prejudicando mais a geração dos mais velhos, até por que o novo sempre acha uma forma de se impor, como diz o poeta “sempre vem”.
Acordar a sociedade como um todo, num levante inovador, atualizando o ethos, matando o velho no novo território, é “O grito”.
A queima de Borba Gato é significativa, quem sabe um marco nacional.
A pressão pela mudança do nome da Av. Dante Michelini em Vitória, as homenagens aos heróis negros como Caboclo Bernardo, Eliziário Rangel, de personalidades da rua como: Dona Domingas, Otinho e Vivi, a mobilização que viabilizou a criação da Comenda Lula Rocha, dentre muitos outros exemplos, que agora não me ocorrem, devem abrir os olhos do “velho poder” para que reveja seu império e ceda lugar ao novo, que é o verdadeiro “dono do mundo”.
Melhor é que o velho pare de ser vítima de Cronos, no próprio enterro, e absolva Kairós, como oportunidade de vida em sua essência de constante mudança.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia