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​O mal banalizado

A indiferença da máquina oficial à marca de 100 mil mortes da Covid-19 faz essa onda negativa parecer coisa natural

Na quinta-feira, 6 de agosto, o Brasil ouviu o presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmar que é preciso “tocar a vida”, ao fazer um rápido lamento sobre a iminência de chegarmos a 100 mil mortes pela Covid-19, registradas três dias depois, no sábado. A frase, que traduz forte insensibilidade, é mais emblemática porque foi expressada ao lado de um ministro da Saúde interino, o general Pazuello, no cargo há mais de dois meses, apesar do avanço da tragédia causada pela pandemia, facilitado pela forma banalizada com que é encarada pelo governo federal.

No mesmo dia, quinta-feira 6 de agosto, grupos de extrema-direita, um deles liderado pelo deputado estadual Capitão Assumção (Patri), bolsonarista de raiz, ergueram em diferentes locais da Grande Vitória outdoors enaltecendo a figura do presidente e “receitando” o medicamento cloroquina para combater a Covid-19, retirados posteriormente, por ferir regras da Vigilância Sanitária. Só isso, não há notícias de outras medidas para coibir o crime de charlatanismo. Nem aqui, muito menos em Brasília.

Nos dois casos, o que fica patenteado é um cenário de terror, integrado ao que é exposto diariamente nos noticiários e em redes sociais, onde o mal é banalizado e visto com naturalidade, como uma coisa qualquer, que cresce a ponto de reduzir o grito dos indignados, sufocado por um exército de abnegados seguidores. Uns assim procedem por ideologia política, outros pela índole maléfica, alimentada por informações falsas, comuns nesse tempo de pós-verdade, de versões se sobrepondo a fatos. Alguns destes acolhem o mal e o estimulam, no mesmo tempo em que proferem discursos de uma falsa piedade.

O campo é apropriado, está pronto para a semeadura do totalitarismo, como demonstrado na reunião ministerial de 22 de maio, quando Bolsonaro ensaiou o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo contido por parte dos militares que o monitoram, ocupantes de cargos no primeiro escalão do governo. O dossiê do ministro “terrivelmente evangélico” André Mendonça, da pasta da Justiça, dá prosseguimento à escalada bolsonarista neste início de agosto, colocando sob ameaça servidores públicos antifascistas.

A investida vai além, com o aparelhamento da Polícia Federal, as tramoias para livrar o filho Flávio, senador da República, envolvido com a “rachadinha”, os embaraços com o operador da família, Fabrício Queiroz, o sumiço nos noticiários do advogado que escondeu Queiroz, Frederick Wassef, os cheques na conta de Michele, só para citar alguns fatos, são exemplos claros de que o mal está aí, bem presente. É encarado como coisa normal, apesar de algumas “pancadas” da poderosa Rede Globo, que, ao mesmo tempo, acolhe Sérgio Moro, Rodrigo Maia e as reformas do Paulo Guedes, o dono da economia, que, por seu lado, toca o desmonte nacional.

Assim é a venda a preço vil de três refinarias da Petrobras, como ação preparatória da privatização da empresa. O leque é extenso e passa pela guerra ao chamado “custo Brasil”, para beneficiar a elite empresarial, embora nada se faça para pelo menos conter a estrondosa sonegação de impostos, pelo desmatamento gigantesco da Amazônia, a morte de indígenas, dos pretos e pobres nas periferias e no amontoamento nos presídios.

O mal, no Brasil, se torna a cada dia coisa banal e faz lembrar a germano-americana Hannah Arendt, uma das mais importantes intelectuais do Século XX, que traçou um retrato sobre a banalidade do mal ao cobrir o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann, em Jerusalém. Ela o retratou, no ensaio Eichmann em Jerusalém, como um mero seguidor de ordens de Adolf Hitler.

O mal estava enraizado, era parte da máquina de morte, o que torna as pessoas insensíveis, como ocorre no Brasil atual, onde a dor dos outros não importa, porque, como disse Bolsonaro, a vida tem que ser tocada. Essa onda negativa não atinge somente a área da saúde. Corrói a economia, o meio ambiente, aumenta o desemprego, suprime direitos dos trabalhadores e espreme a sociedade na engrenagem neoliberal, entreguista e subserviente ao capital financeiro.

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