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O nome do mito

Posso então declarar nas minhas memórias futuras que conheci Elvis Presley

Na sala de espera de um consultório médico a assistente chama o próximo paciente – Elvis Presley! Os que esperam se agitam – É ele? Numa breve fração de segundo, todos olham para a porta, na expectativa de ver o mito adentrar o monótono recinto. A ilusão dura pouco, claro. O ídolo virou tema de filmes de Hollywood e seu faraônico palácio, Gracelândia, é a segunda mansão mais visitada do país – 30 anos depois da morte do rei do rock, cerca de 600 mil pessoas a visitam todos os anos. A primeira é a Casa Branca, outra vez correndo o risco de abrigar Mr. Trump.

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Posso então declarar nas minhas memórias futuras que conheci Elvis Presley? O sujeito estava sentado ao meu lado, poderia até tocá-lo ou pedir um autógrafo. Constatando que o celular estava descarregado – trivialidade que acontece também com os famosos – ele me pergunta as horas. Portanto, troquei algumas palavras com Elvis Presley. Também conheço vários Martin Luther e dois Martin Luther King. Tive o prazer de hospedar John Lennon em minha modesta residência e estou pensando em entronizar uma placa de bronze na porta – John Lennon esteve aqui. Estarei mentindo?

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Gandhi é um nome muito popular entre os indianos. O Mahatma disse: Olho por olho e o mundo ficará cego. Acho que estava prevendo essa guerra na Faixa de Gaza. O Elvis volta e ocupa a mesma cadeira ao meu lado. Ouso perguntar se o nome famoso – que ele não escolheu – atrapalha ou enaltece a vida de um cidadão comum. E se ele não gostasse de rockandroll? Ele ri: Apesar de estar sempre ouvindo perguntas idiotas como essa, o nome tem me dado muitas alegrias. Sou sempre entrevistado em programas de televisão, e me pagam por isso.

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Pergunta idiota número dois: Você já foi a Graceland? Ir a Graceland é tão necessário como ir a Meca para os muçulmanos. Ou ir ao Vaticano e ver o papa. Uma vez por ano, pelo menos, vou com meus dois filhos, Elvis II e Elvis III. Satisfeita, tiro a cadernetinha da bolsa, Me dá um autógrafo? Claro, $10 bucks. Fico chocada, O Elvis dava autógrafos de graça. Ele não ri, O outro Elvis era rico. Nesse momento a enfermeira me chama, ponho a cadernetinha de volta na bolsa, Desculpa, fica para outra vez. O herói está morto e a mansão de pedra e vidro persiste. Quanto ao nome, até quando?

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Ao nascer não temos condições de opinar sobre o sacrossanto nome que vai nos acompanhar pelo resto da vida. Isso talvez explique a razão dos recém-nascidos chorarem tanto. Minha amiga Suely tinha quatro anos quando informou aos pais que não gostava do nome que lhe impuseram sem consulta prévia: Valdivina – uma infeliz junção de Valdir e Adelina. Meu nome é Suely. Os pais acharam muita graça, mas Suely não estava brincando. Apesar da pouca idade, só atendia e obedecia se a chamassem pelo novo nome, primeiro em casa e depois na escola. Venceu, e ao completar 21 anos fez a troca oficial do nome que adotou.

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Em um restaurante em Buenos Aires, pergunto ao jovem garçom qual o argentino mais famoso de todos os tempos. Lionel Messi, claro! Alguém na mesa ao lado discorda, Maradona! Ouso perguntar, E Gardel? Afinal, fomos à Argentina para reencontrar o mito – ver um tango dançado no Teatro Colón, ouvir um bandoneon tocando La Cumparsita, caminhar no Caminito, essas coisas de turistas levados pelos panfletos de lugares imperdíveis. O garçom olha para nós, espantado, Quem? Interessante observar que, à exceção de nomes de santas, não conheço nenhuma mulher perpetuando o nome de alguma mulher famosa: Marylin Monroe, Marie Curie? Maria Leopoldina, Arquiduquesa da Áustria, Imperatriz do Brasil? Jane Austen? Nem mesmo Cinderela.

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