Sem eco na realidade, o NEM se torna NEM-nem
Acredito que a boa novidade na educação acontece sempre no chão da sala de aula e nunca de cima para baixo, até porque são as professoras e professores que, lidando com o alunado, podem perceber as melhores formas de educá-los, dentro de suas realidades, das condições objetivas da escola e em consonância com as exigências do mundo.
A reforma do Ensino Médio, Lei 13.415/2017, prevista para ser totalmente implantada até 2024, é só mais uma falácia de aprimoramento da educação básica, porque está completamente desconectada das reais possibilidades de melhoramento da educação, construída fora da escola e implantada sem o preparo do ambiente escolar e das equipes profissionais da educação, ou como se diz: passando a carroça adiante dos bois, se torna cruel e evasiva.
Para que seja feita uma mudança desta envergadura, além de exaustiva discussão com as comunidades escolares onde estão os verdadeiros especialistas, precisa contar com um período de formação específica nas secretarias de educação dos estados, para as equipes gestoras, professoras e professores que já estão no sistema, e considerar ainda o tempo necessário para que os cursos de licenciatura incorporem em suas grades conteúdos relacionados às novidades.
Infelizmente, as coisas não aconteceram bem assim. A reforma foi implantada e a comunidade escolar, escolas, famílias e comunidades precisaram “dar seus pulos” para se adequar. As equipes escolares precisaram construir didáticas e práticas de ensino que viessem a atender a visão dos “técnicos iluminados” que lançaram a utopia. Além disso, as estruturas físicas e organizacionais das escolas públicas continuam capengas como sempre, sem condição mínima sequer de aproximar esses jovens do mundo conectado da atualidade, muito menos a de possibilitar a execução do currículo da chamada parte diversificada.
Uma outra questão importante a se refletir neste Novo Ensino Médio é o crescimento das desigualdades, tanto pelas ofertas diferenciadas dos itinerários formativos quanto pela já histórica deficiência da escola pública em relação à escola privada, que se intensifica ainda mais na implementação deste novo currículo.
O que acaba acontecendo, que é useiro e vezeiro no Estado brasileiro, é que se constrói uma legislação tida como avançada, cuja implementação na prática não acontece, embora a burocracia maquiadora da educação, como sempre, transpareça tudo perfeito.
De meu lugar de fala, enquanto professor da educação básica atuando em escola de tempo integral deste Novo Ensino Médio, posso dizer da desconexão dos “propósitos” com a realidade e, principalmente, dos prejuízos que os educandos estão tendo. Afinal, a escola é o lugar de formar o cidadão.
A bandeira de revogação deste novo ensino médio cobra a coerência deste novo governo, que em suas gestões anteriores, primou pela multiplicação dos Ifes, onde se oferece um ensino médio de excelência que possibilita competitividade no acesso às universidades, mas também um pós-médio ou técnico para aqueles que fazem a opção de uma carreira técnica sem deixar de se formar como cidadão crítico e coerente com seus propósitos.
Como se não bastasse: a redução da oferta de Filosofia, em sua função básica de reflexão crítica e fundamentadora da ação, somado à inclusão de uma disciplina com o nome de projeto de vida, é o próprio paradoxo que faz do NEM um Nem-nem, ou seja, nem uma coisa nem outra, porque reduzindo a capacidade reflexiva, produzirá projetos de vida levados pelo modismo do consumo e do ter em detrimento do ser. Enfim, falta a formação científica e também a humanística.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia