Documento capaz de proibir a circulação de pessoas é alvo de dúvidas e ressalvas de juristas
O texto prevê que o titular do certificado não poderá, desde que respeitadas as medidas sanitárias, ser impedido de entrar, circular ou utilizar qualquer espaço público ou privado, assim como não poderá sofrer sanções caso o faça. O estabelecimento, público ou privado, assumirá a responsabilidade de exercer o controle de entrada, mediante a apresentação do CSS válido por cada pessoa, na versão eletrônica ou em papel, e quem não apresentar será impedido de ali entrar, circular ou utilizar.
Nesse sentido, medidas restritivas como a limitação do acesso e da circulação de pessoas têm sido tomadas a fim de evitar a propagação do vírus, oportunidade em que se observa a atuação conjunta entre os entes federativos. Estas medidas impulsionam o debate sobre os limites da interferência do Estado nas liberdades dos indivíduos em contrapartida com o dever estabelecido na Constituição Federal, de cuidar da saúde, garantindo ações que visem a redução do risco de doença.
Neste quadro, a Constituição Federal traz, em seu art. 5º, XV, a liberdade de locomoção dentro do território brasileiro, que consiste no direito fundamental de ir e vir. Trata-se de um direito de primeira dimensão que trouxe obrigações negativas para o Estado, ou seja, obrigação de não intervir, a fim de proteger a esfera da autonomia pessoal frente às eventuais arbitrariedades cometidas pelo Estado. A sua importância é reforçada pela existência do Habeas Corpus, remédio constitucional dirigido à tutela da liberdade de locomoção, o qual é considerado cláusula pétrea.
Dessa forma, havendo concorrência entre bens jurídicos tutelados, deve-se adotar uma solução que seja menos gravosa e que busque a maior realização dos direitos envolvidos.
Assim, põe-se em análise as restrições estabelecidas frente à autonomia do Estado, à própria dignidade da pessoa humana e às liberdades e competências constitucionalmente estabelecidas. E, portanto, a criação de um documento capaz de proibir a circulação, em determinados locais, da parcela da população que não foi vacinada contra a Covid-19, é alvo de ressalvas por parte de vários juristas.
Alguns afirmam que a implementação da medida fora de um contexto concreto de restrição dos direitos fundamentais, como é o caso do estado de sítio, é abusiva. Parte dos juristas explicam que a finalidade da medida é positiva, uma vez que busca evitar contaminações, mas a forma como está sendo conduzida é inconstitucional, já que restringe o direito de ir e vir de uma parcela da população.
Entretanto, nenhum direito fundamental pode ser considerado absoluto, posto que pode ser objeto de limitação, devendo ser analisado à luz da proporcionalidade, que estabelece que as medidas tomadas devem estar respaldadas pela adequação, necessidade e análise do custo-benefício, ou seja, os benefícios devem estar presentes em maior escala.
Finalizando, faz-se importante ressaltar que a saúde é um direito social, expressamente resguardado pela Constituição em seus artigos 6º e 196, tratando-se de direito de segunda dimensão, que estabelece uma prestação positiva do Estado, se relacionando diretamente com os objetivos de justiça social e com o direito à vida.
Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, secretário-geral adjunto e corregedor-geral da OAB/ES, vice-presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e diretor do Cesa – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados.
Letícia Stein Carlos de Souza, acadêmica e estagiária de Direito.