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O pior é o preconceito

É preciso aprender a conhecer, sem a contaminação de juízos prévios

Lá no surgimento da Filosofia ocidental na Grécia, Heráclito nos ensinava que o movimento é que cria as coisas, o devir, simbolizado pelo fogo que tudo transforma. A profundidade deste pensamento se faz necessária em todas as dimensões da vida, seja com relação ao mundo material ou mesmo na construção das personas humanas.

Infelizmente, as pessoas estão sempre na contramão heraclitiana, fazendo questão de ter opiniões formadas e congeladas, as certezas. Contudo, a todo momento o giro do mundo demonstra que, mesmo nossas maiores convicções, precisam se apoiar em alguma sombra de dúvida, é preciso manter uma saída alternativa, ou até mesmo de emergência, que possibilite, frente à novas evidências, um novo posicionamento.

A experiência de conversão é das que mais evidenciam esta necessidade. As pessoas em geral preferem encarar a fé como certeza e professam-na sempre com absolutismo, até que um dia, por algum insight, mudam sua religião e todo o objeto de sua fé é alterado, fazendo inclusive com que negue veementemente a prática anterior. É como se nascesse de novo, mas existe uma estrutura construída durante sua vida, que se desmoronar de uma vez pode fazer um estrago muito grande em sua trajetória.

Noutras questões esse pensamento congelado por certezas fecha a compreensão e aceitação do novo, com a mesma veemência do exemplo da conversão e, como temos exemplos históricos ao nível da “noite de mil anos” – a idade média, acaba impedindo a evolução do conhecimento.

Sob esta ótica, podemos analisar e refletir sobre várias questões. Hoje, influenciado por uma “live” transmitida pelo Conselho Regional de Farmácia, quero abordar o uso da Cannabis Sativa e sua proibição.

O moralismo social, por que não dizer hipócrita, sempre resistiu à possibilidade do uso de substâncias ditas alucinógenas, que tirariam as pessoas do lugar devido, o do “ser necessário e útil” à vida comunitária. A rigor, esses regulamentos sempre prescindiram do ser em si pelo coletivo e, na maioria das vezes, produziu personas úteis, nem sempre felizes. No fim, essas pessoas, ao não contentarem a si mesmas, impedidas pela moral, entram em “parafuso” e acabam chegando aos consultórios psiquiátricos onde, não raramente, adentram ao uso de drogas lícitas para se suportarem, conseguirem dormir, se movimentarem, enfim, viverem.

Ao conhecer a história do cultivo e uso desta planta, por meio de autoridades em botânica e farmacologia na referida live, adquirindo o conhecimento de que a humanidade convive com ela em caráter agrícola há mais de 12 mil anos a.C, somado aos resultados dos estudos recentes do benefício medicinal de seu uso e do canabidiol, é que recinto do (pré) conceito difundido e lastreado por um moralismo que à princípio condena o prazer e o lazer em detrimento desse “ser útil”.

Meu grande apelo é ao bom senso para nos defendermos do preconceito gerado por juízos frágeis, sem a base do conhecimento, ou ainda, das certezas geradas na escuridão do conhecimento, para que se mantenha pelo menos a sombra de dúvidas, facilitadora da aceitação das descobertas, da evolução do nosso pensamento e elaboração do conhecimento novo.

Importa saber efetivamente se o uso da planta tem ajudado as pessoas a viver melhor e isso tem ficado mais claro a cada dia, não só pelos estudos científicos, mas também pela saúde das pessoas que já conseguem fazer o seu uso monitorado.

Somente a partir da reflexão de tantas “verdades” destruídas na evolução do conhecimento humano, poderemos cultivar a abertura ao novo e à experimentação, a que fomos chamados nesse nosso mundo sensível e inteligível.

E, para realimentar as possibilidades de aceitação das mudanças, concluo com o grande “profeta” popular Raul Seixas, que estaria fazendo 77 anos agora em junho: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.


Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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