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​O rugido e o miado

O discurso do ex-presidente Lula e o raso pronunciamento de Bolsonaro servem para demarcar território  

Os leões rugem para se comunicar com sua alcateia, especialmente a longa distância, e o som que emitem alcança grande profundidade. Já os gatos, não rugem, se comunicam miando, geralmente para pedir comida para si, porque para eles os outros não importam, ou, em situação de estresse, quando se sentem inseguros, de acordo com estudos biológicos sobre as diferenças entre o rugido do leão e o miado de gato. 

A despeito do que possa parecer, não pretendo tratar de herança genética neste espaço. As particularidades dessas duas espécies de felinos servem para demonstrar a profundidade do discurso do ex-presidente Lula e o raso arremedo de pronunciamento do atual ocupante do cargo, Jair Bolsonaro. Os dois eventos vieram a público no 7 de Setembro, o Dia da Pátria, quando é comemorada a chamada Independência do Brasil. De um lado, um leão rugindo, no outro extremo, um gato miando, foi como me pareceram as diferenças entre estaturas dos dois políticos para o exercício do poder.

É bom lembrar, antes de abordar o conteúdo dos discursos, que a data comemorada não teve nada de independência pra valer, levando em conta até mesmo quem a proclamou, o filho do imperador, um português que pouco estava se lixando para os brasileiros, obrigado a ceder o poder pela força de conchavos políticos coordenados à época pela poderosa Inglaterra junto às elites nativas, mais interessadas em seus próprios negócios, e sem a participação do povo.

Como há 198 anos, o País segue uma trajetória histórica da mesma forma, mais o ranço colonialista, com curtíssimos períodos de exceção, aprofundado por meio da sabujice do atual governo aos Estados Unidos, que ultrapassa o ridículo, se constituindo a base para a política subserviente e entreguista em curso desde a posse, em janeiro de 2019. A partir dessa data, se aprofunda a perda do sentimento de nação soberana, na mesma proporção da omissão em torno de questões envolvendo a sociedade, especialmente as camadas mais pobres.

Esse cenário foi visto, mais uma vez, na curta fala do presidente da República, na qual deixou sem respostas perguntas comuns a toda a nação, como o combate à Covid-19 e seus mais de 130 mil mortos, a crise econômica, a entrega das riquezas a potências estrangeiras, o sequestro dos direitos dos trabalhadores, a corrupção. Nada disso foi abordado, Bolsonaro perdeu-se enaltecendo a ditadura militar, o combate ao “fantasma” do comunismo e em reafirmar valores familiares e cristãos, sem testemunho prático, em um roteiro traçado somente para alcançar seus seguidores, sem conteúdo capaz de apontar um caminho para o País se reencontrar, com respeito à democracia, aos direitos humanos, ao meio ambiente e à sociedade.

Um miado sem profundidade, mas que agrada aos que saem às ruas em trios elétricos gritando “não queremos vacina, nós temos a cloroquina” ou portando cartazes com os dizeres “Trump 2020” e a bandeira dos Estados Unidos e de Israel, por mais bizarro que isso seja. A fala de Bolsonaro ecoa junto a esse público e, de outro lado, envolve, também, lideranças políticas e religiosas, com seus rebanhos eleitorais que apenas seguem, desprovidos de qualquer pensamento crítico. E assim o Brasil despenca cada dia mais.

Enquanto Bolsonaro se perdeu em nada dizer, o ex-presidente Lula abordou com precisão questões inerentes à sociedade como um todo, mostrou a inépcia de um “governo que não dá valor à vida e banaliza a morte. Um governo insensível, irresponsável e incompetente”, assumindo a postura de quem tem cacife de colocar o nome como opção para a sucessão presidencial em 2022, se a Justiça deixar, desfazendo as ilegalidades utilizadas para cassar seus direitos políticos.

O ex-presidente falou de questões políticas, sociais, econômicas, culturais e religiosas e traçou um panorama de esperança, no qual a liberdade é a principal marca. Liberdade de imprensa, liberdade de opinião, liberdade de manifestação e de organização, liberdade sindical, liberdade de iniciativa, e destacou que não haverá liberdade se o próprio país não for livre.

A fala de Lula representa a linha divisória da movimentação político-partidária em torno das eleições gerais de 2022, deflagradas por Bolsonaro desde agora, surfando no auxílio emergencial de R$ 600, exigido pelo Congresso, a contragosto de Paulo Guedes. A partir de suas colocações sobre o Brasil, o ex-presidente lançou para a sociedade um projeto de país, como um rugido de leão, forte suficiente para abafar o miado de um gato.

Enquanto um demonstrou conhecimento das questões essenciais à manutenção do Brasil como nação soberana, que ampara seus cidadãos, independente de classe social, gênero, raça ou credo, o outro se perdeu em frases soltas, que não se encaixam na realidade, porque traz a marca do individualismo e não explicam a ascensão da milícia, a corrupção por meio de “rachadinhas”, os depósitos bancários misteriosos na conta de Michele, o desemprego, a compra de votos no Congresso, a crise econômica, a matança dos povos indígenas, a violência aos pretos e pobres, as mentiras em nome de Deus.

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