Votamos até para escolher os faxineiros das escolas
Talvez estivesse distraída, vendo um filme ou regando as plantas. Não que tenha um jardim à moda dos filmes ingleses. Apenas uns vasos de plantinhas modestas, que se cuidam por elas mesmas e não requisitem minha constante presença. Um dia tive um passarinho numa gaiola – morreu de desgosto porque eu não ligava muito pra ele. O remorso me fez consciente das minhas limitações: lugar de passarinho é no ar, ou pulando de galho em galho e cantando ao nascer do sol.
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Talvez estivesse lendo um livro, daqueles que se grudam na gente e não se consegue largar até o final feliz nas últimas páginas. Ou infeliz, também acontece. Mesmo assim, com pena de devolver a quem emprestou ou para a estante de poucos livros – doou ou empresto, poucos voltam -, a gente lê tudo mais que imprimiram, vida e obra do autor, a opinião da editora, os comentários dos críticos esclarecidos, até o ISBN.
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Talvez estivesse tentando alguma receita nova de algum novo produto que achei na Internet. Já reparou quantas receitas de bolo as pessoas inventam? Com leite ou sem leite, com ovo ou sem ovo, com farinha ou sem farinha, e por aí vamos, que a imaginação do povo não tem limites. Parece que disputam quem consegue pôr no forno um bolo com menos ingredientes. Outro dia achei um com apenas um ingrediente, mas não conto qual, pois deve ser fake news.
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Talvez estivesse contando nuvens. Tem gente que gosta de ver novela; tem gente que gosta de assistir jogo de futebol ou de basquete; tem gente que gosta de fazer palavras cruzadas ou Sudoku. De pescar a pecar, tem de tudo à disposição de todos. Mas que tal ficar na janela ou na varanda contando nuvens? Como demoram a passar, como mudam de forma e de lugar, como engordam ou emagrecem bem na frente dos nossos olhos. Podem até ser úteis, indicando se chove ou faz sol, frio ou calor. As nuvens são, segundo atestam os entendidos, reflexos da alma.
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Talvez estivesse esparramada numa poltrona assistindo alguma comédia romântica bem antiga, tipo Greta Garbo (ela fez uma apenas, e muito boa). Quando ela fez o primeiro filme falado, os cartazes anunciavam: Garbo fala! Nessa comédia avisaram: Garbo ri. Talvez eu tenha cochilado e perdi a eleição nos States, uma longa lista de pessoas sobre as quais nada sei, vota-se até para faxineiros das escolas. Tudo bem, daqui a pouco tem outra. Fato é que o tempo passou e eu não vi, mas vamos em frente – o tempo não espera por ninguém.