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O velho, o mar, o vento

Um vilarejo abandonado pela sorte está fadado a desaparecer, como se condenado fosse por uma moderna praga bíblica

Encontrei em minhas muitas andanças por aí um pescador velho como o tempo, velho como o mar. Foi numa praia distante, esquecida de Deus e dos homens, mas que nunca mais esqueci – onde um vilarejo pacato e laborioso, de gente esquecida pela sorte, estava fadado a desaparecer como se condenado fosse por uma moderna praga bíblica. O inimigo constante e implacável era a areia fina que se acumulava em dunas belas e imponentes, criando um deserto de areias brancas reluzindo ao sol e ofuscando a vista, rastejando como uma serpente de mil olhos, dominando e destruindo tudo.

*

O mar de ondas inquietas quebra com estrondo na praia deserta, jogando no ar sua espuma dançante. O lugarejo de gente pobre e calejada, de mulheres grávidas e crianças raquíticas, está fadado a desaparecer, tragado na voragem da areia. De manhã, ao se levantarem, as mulheres varrem as partículas acumuladas durante a noite nas portas e nos vãos das janelas, numa luta teimosa contra o invasor paciente. Os ínfimos grãos continuam chegando, e sob seu peso os telhados desabam. A luta do homem contra a areia é uma luta contra o tempo, e ele sempre vence. 

*

As dunas vão se formando devagar – silenciosas, implacáveis. A igrejinha onde o velho pescador foi batizado, onde se casou, casou os filhos e batizou os netos, já está soterrada, e as casinhas modestas ao redor desapareceram também. Muitos moradores já partiram, e a pouco e pouco outros vão seguindo a mesma rota: atravessar o rio de águas escuras levando seus pertences escassos e suas famílias numerosas, numa viagem sem retorno e sem esperanças. Mas enquanto puder, o velho pescador continua ali, lutando, trabalhando, vivendo. Não quer ser enterrado em outro chão.

*

Foi apreciando esse cenário magnífico – o sol refletindo na areia branca, céu e mar se fundindo no horizonte, que vi a pequena casca de noz balançando ao sabor das ondas revoltas. De pé no pequeno barco, o velho lançou a rede com maestria, fazendo-a dançar como um véu de noiva. O sol foi se pondo e ele remou de volta, rompendo as ondas no primitivo embate do homem contra os elementos. Na praia ele levou o barco para local seguro, recolheu os remos e jogou nas costas a sacola com o escasso produto de sua pesca diária.

*

Caminhando em direção ao lugarejo, ele foi deixando na areia molhada a marca de seus pés descalços. Mas voltou-se, e fitando o mar azul – que visto de longe parecia tranquilo e generoso – levantou o braço esquerdo e prendendo o pulso rijo com a outra mão, lançou às ondas um gesto pouco sociável, mas o único jeito que ele conhecia para mostrar sua revolta: contra o vento que lhe roubava tudo, contra o mar que tão pouco lhe dava.

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