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O xerife do mundo

China vai passar os EUA em tamanho de PIB

A volta de Donald Trump ao poder norte-americano traz uma versão mais perigosa do que se teve em seu primeiro mandato. Após escapar de um atentado por um triz, Trump garantiu todo um desdobramento histórico, pois um atentado daquele seria uma divisão de rumos caso se concluísse tragicamente.

Um rápido movimento de pescoço definiu, portanto, o que acontece agora e como os Estados Unidos chegaram até 2025. Temos o início do segundo mandato desta figura que, além de ter escapado da morte, é um presidente que sofreu processos diversos, e é mais um desses priápicos clássicos do poder, só não mais patético que Dominique Strauss-Khan.

A ideia dos Estados Unidos como xerife do mundo, consolidada no pós-guerra, no anticomunismo, na guerra fria e no macarthismo, ganha nova configuração com o segundo mandato de Donald Trump, trocando a iminência de consequências atômicas, por controversas batidas do big stick com tarifaços que, a médio prazo, podem fazer o feitiço voltar contra o feiticeiro.

A moeda política, para Trump, portanto, é mais valiosa que as consequências econômicas de sua guerra comercial. O seu capital político cevado pelo “drill, baby, drill”, da insana exploração do fracking, vem somada a uma retomada de prioridade para a exploração petrolífera, num renovado negacionismo ambiental e climático, com retiradas do Acordo de Paris e quetais, misturando bravatas e medidas efetivas, pois Trump só não peca por falta de clareza, deixando tudo à luz do dia.

A nova investida contra imigrantes ilegais que, até certo ponto, poderiam ser justificadas, acaba sendo distorcida por uma generalização xenófoba que termina com deportações de pessoas que não cometeram crimes, a não ser a ilegalidade da entrada no país, sendo tratadas como gado e até algemadas, chegando aqui no Brasil, por exemplo, com estes relatos de um tratamento violento, como se todos os deportados fossem bandidos e pessoas perigosas.

Ideias tresloucadas como anexações da Groenlândia e do Canadá, por sua vez, inauguram um imperialismo norte-americano movido a alucinações à moda Q-Anon, um dos braços de mistificações, fake news e teorias da conspiração que se associam à alt-right de Steve Bannon e sua tática do que Naomi Klein coloca como um espelho invertido da realidade, como um espantalho, mais bem traduzido por doppelganger.

Contudo, não estamos mais no auge da globalização e do mundo unipolar, nem diante da competência fiscal de um governo como foi o de Bill Clinton, o que ocorre agora é um caminho já traçado em que a China vai passar os Estados Unidos em tamanho de PIB (Produto Interno Bruto) e que vence a guerra tecnológica mundial, ao passo que os Estados Unidos tentam fazer acordos bilionários de investimentos na corrida pela inteligência artificial geral, a AGI, na sigla em inglês.

O imperialismo norte-americano, neste caso, se nutre agora do ego frágil de Donald Trump, numa tentativa de recuperar protagonismos que talvez não tenham volta, e toda a nostalgia do Destino Manifesto, por conseguinte, se tornará o produto cultural de uma nação autocentrada, e que um dia acreditou ser a convergência mundial para todas as coisas, uma espécie de eixo de tudo e colocando os parâmetros para todos os outros países, que é exatamente este tique de xerife do mundo, de que Trump agora padece, numa História que não se repete, mas rima, como dizia o escritor Mark Twain.

Por sua vez, ao lado da figura de Donald Trump, temos a persona histriônica de Elon Musk, que coloca mais um fator de disrupção delirante em campo, pois apesar dos progressos da Space X, um sucesso, contrabalançada com a crise da Tesla, temos esta figura que comprou o Twitter, mudou o nome para X, e se voltou para a extrema direita, com ecos de nazismo e apitos de cachorro, repetidos agora por Steve Bannon, o mentor intelectual da alt-right.

O papel de xerife do mundo, do big stick, parece agora ser uma miríade de medidas tarifárias, e internamente com o governo emitindo medidas para inundar a burocracia do país, tendo como alvos preferenciais a desconstrução das políticas woke e para o aumento das deportações de imigrantes ilegais.

Esta ideação tipicamente norte-americana de xerife do mundo, um dos produtos do Destino Manifesto, só que ao nível global, que se configurou sobretudo no pós-guerra, por fim, nos dá a impressão de que agora se está ouvindo as últimas batidas de um big stick que pode, a qualquer momento, ser roído pelos chineses.

A China, por sua vez, com a disciplina confuciana e uma sutileza taoísta, já coloca o capitalismo liberal e a democracia representativa ocidental cambaleando diante de um capitalismo de Estado comandado por uma burocracia partidária comunista, uma cabeça de Jano que devora o sonho americano e que desafia paradigmas iluministas consagrados.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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