Voltar aos caminhos da infância, ao colo da mãe terra, ao tempo da juventude que se perdeu
Os que não foram ou não chegaram, os que querem ir mas ficam no mesmo lugar. Os que partem e não voltam, os que sonham mas nada mudam. Nós degredados filhos de tantas Evas, expulsos em pranto do útero materno onde nada poderia nos afetar. Somos todos degredados – migrantes vagando mundo afora, sempre sonhando voltar ao paraíso de onde partimos, por vontade própria ou por imposição da sorte.
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Voltar aos caminhos da infância, ao colo da mãe terra, ao tempo da juventude que se perdeu pelos caminhos. Segui meus sonhos, conquistei o mundo, venci! Diz o que mora em palácio e compra tudo que deseja. Vim em busca de um mundo melhor e os que ficaram estão em melhores condições do que eu, diz o que tem pouco e muito almeja. Talvez o vencedor seja esse e não o que nada tem a desejar.
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Como saber como seria se a decisão fosse outra? Mario estava de namoro firme com a Maria, mas queria conhecer o mundo. Partiu, e depois do adeus e das lágrimas sentidas, foi esquecido. Maria casou com João, Mário casou com Joana. Foram todos felizes, cada qual no seu jeito, seguindo a quota que a vida estipula para cada um. O tempo correu, a vida teceu sua rede, o passado deixado para trás. Assim estava escrito, ou somos nós quem escrevemos? Um dia eles se encontram no aeroporto de Fort Lauderdale, na florida Flórida: todos os voos cancelados por conta do excesso de chuvas.
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O mundo dá voltas, não espera por ninguém. Tivesse o avião partido na hora certa, ele não teria entrado naquele bar, aquele momento. Ora, você por aqui? Há quanto tempo! Maria divorciada, Mario viúvo, ou vice-versa. Embora seguindo rumos diferentes, a empresa aérea era a mesma, e todos os passageiros foram direcionados para o mesmo hotel. E o resto é história, segundo a imaginação de cada um.
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Esses dois passageiros presos na trama de um transtorno climático afinal se entenderam e foram felizes para sempre, ou o tempo transcorrido atrapalhou tudo, e cada qual seguiu seu rumo? Por que não lhes dar outra chance? Por que não muda para Miami? Ela ri quando ele pergunta. Não foi isso que sonhou por tanto tempo? Ele explica: Houve apenas uma falha no alinhamento dos astros. Ela fica sem saber se ele fala do afastamento de 15 anos ou do temporal que deixou milhares de passageiros parados no tempo, entre a partida e o destino final.
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Degredados filhos da sorte, partimos ou ficamos – a rota é incerta e o tempo é curto. O que encontramos entre um ponto e outro faz a diferença, norteia nossa vida e altera o horóscopo de cada um. A posição dos astros ou o simples ato de entrar naquele bar no momento em que ela já ia saindo? Mais um minuto ou menos um segundo, e tudo seria como antes, a viagem planejada, a rotina venceria o sonho.