Fase de negação é reflexo desta perspectiva irreal
Não se trata exatamente de um quadro psicótico, passível de intervenção e tratamento adequados, mas os fenômenos produzidos por fake news estão, de fato, no terreno do delírio da alienação. São pessoas, algumas com boa-fé, que estão sendo manipuladas por grupos que financiam barricadas pelas estradas, da alt-right que patrocina esta bestialização e regresso cognitivo que se alimenta e depende da ignorância, voluntária ou não, para ter seus objetivos realizados.
Uma coisa chocante, quando você acessa a internet, e vê pessoas em Porto Alegre, de verde e amarelo, comemorando a prisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e se perguntar como este mundo paralelo se insere no mundo real, empírico, em que os fatos cotidianos se sucedem. As informações que não chegam são substituídas por versões falsas que funcionam como um verniz para confirmar crenças.
É como quando a pessoa toma uma droga e a usa como um verniz para tornar tudo mais brilhante e interessante, e que em doses exageradas, leva à loucura e alienação mental. O nível de desinformação de parte da população do país é uma obra do atraso, do pouco investimento em educação, em cultura, e que abriu caminho para um culto negacionista, romantizando atitudes ignorantes e destemperadas de um líder que é mito, isto é, uma farsa, não governou e não soube governar.
O que achamos ridículo, uma mulher batendo no próprio peito, chorando e agradecendo ao Senhor pela prisão de Alexandre de Moraes, por sua vez, é a demonstração de um país que falhou, até agora, em desenvolver suas faculdades cognitivas e culturais. Lembra a cena bizarra do caminhoneiro chorando por um Estado de Sítio que não tinha acontecido, era fake news. Existe um déficit, um atraso, e uma anticultura em que pendores reacionários fazem eclodir fantasmas que dormiam, e volta e meia levantam da tumba, de uma versão do Brasil sinistra, com palavras ocas de tradição, pátria e família, e que são a tentativa de adequar o mundo inteiro, no caso o Brasil, a uma perspectiva de curto alcance, numa espécie de camisa-de-força do atraso e do retrocesso.
A contradição é que esta tentativa de colocar o Brasil inteiro nesta camisa-de-força de perspectiva anódina está produzindo tipos de loucos que agora estão em fase de negação, esperando um Deus Ex Machina da intervenção federal, com panfletos e cartazes escritos, por vezes, em inglês errado. A imagem perfeita desta fase de negação, por sua vez, foi a do patriota do caminhão, pois é algo irreal e que tenta interferir num fato consumado, reconhecido, do resultado final do segundo turno das eleições.
O pensamento mágico sempre precisa deste Deus da Máquina, no caso, uma intervenção federal, pois sua fase de negação é reflexo desta perspectiva irreal que cresceu a absorveu estas pessoas nestes últimos anos via Telegram e WhatsApp. Internacionalmente, a piada já tinha sido contada e entendida desde 2019, e aqui temos esta relativização de um país polarizado. Lá fora, mais uma vez, a piada foi a de pessoas cantando o hino nacional para um pneu, e parece que aqui dentro a ficha não cai.
O contraste está justamente no alívio de líderes estrangeiros quando souberam que Lula será o próximo presidente, e isto não pelo Lula, mas em relação a qualquer candidato que não fosse o Bolsonaro. Pois seja qual fosse o novo presidente, sem ser o Bolsonaro, causaria a mesma impressão de terem se livrado de algo exótico, intratável, de uma figura de vaudeville, contudo, de comédia ruim, com piadas de caserna, previsíveis.
O coro do imbrochável, nos duzentos anos da Independência do Brasil, é uma caricatura penosa, constrangedora, parecendo um tiozão que ria da própria piada sozinho, só que tinha uma claque rindo junto, e que é esta legião de sabujos, fanáticos, lacaios, que acompanha Bolsonaro desde a sua ascensão.
O Brasil que rejeitou o bolsonarismo conseguiu o amortecer com a eleição de Lula, em uma frente ampla que terá que planejar e realizar tudo com acuidade para que não se abra este precedente novamente na Nova República. Em uma redemocratização que já teve caçador de marajás e mito, e não precisa mais reviver este tipo de factoide, de mentira, que é de um país que compra ilusões disruptivas disfarçadas de nova política, e é somente a vanguarda do atraso, do retrocesso, assediando o futuro do país novamente.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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