Uma pausa para nossos comerciais!

Imaginemos a vida da Senhora Constança Coutinhas no Rio de Janeiro, lá pelos idos de 1808…o marido ficou rico em trâmites pouco esclarecidos e construiu um palacete para residirem – o maior e mais bonito da cidade. Enquanto isso, a Europa se envergava sob uma guerra que não dava sinais de acabar – Napoleão Bonaparte queria conquistar o mundo! Um mundo em que, embora inexpressivo, incluía o pequeno país da beira leste chamado Portugal.
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Oito naus, três fragatas, três brigues e duas escunas trouxeram a Corte Real Portuguesa para o refúgio provisório na maior colônia da coroa portuguesa – o Brasil, até que Napoleão fosse aniquilado pelos poderosos ingleses. A colônia, claro, se engalanou para receber tão ilustres visitantes – quando, nessas terras esquecidas por Deus, pisou uma autoridade de tal gabarito?
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Eu não estava lá, apenas registro o que me contaram. Entre dez a quinze mil pessoas lotaram as embarcações…uma viagem decidida às pressas, numa correria de última hora: “Os franceses estão chegando!” Imagina se ocorresse hoje em dia: “Os Marcianos estao chegando!” A desorganização, falta isso e aquilo! Uma crise de piolhos forçou as mulheres a raspar as cabeças. Escassez de água e alimentos, brigas e doenças…o pesadelo durou 55 dias!
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A viagem foi um horror em todos os sentidos: comida e água racionadas, e não havendo acomodações, dormiam no convés dos navios, sem colchão e sem cobertas. Ninguém teve tempo de preparar as malas, e durante toda a jornada vestiram a mesma roupa. Imagina-se o estado em que chegaram à Bahia, onde a esquadrilha primeiro aportou. ‘Dava pena de ver o estado em que aqui chegaram…” alguém me contou.
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Dom João não gostou de Salvador e seguiu até o Rio de Janeiro, como estava planejado. Adentrando a Baía de Guanabara, todos se encantaram com a beleza da cidade: o mar azul, as imponentes montanhas verdejantes, as praias brancas…mas como diz o povo, alegria de pobre dura pouco, mesmo não sendo pobres. Não havendo esgotos nem privadas, a cidade fedia à distância, e a bela Guanabara era uma imensa latrina a céu aberto, onde os detritos eram jogados em baldes levados pelos escravos…uma pausa para nossos comerciais…
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Onde tudo é difícil para todos, as mulheres sofrem mais. “Em Portugal, as mulheres viviam confinadas em suas casas, privadas de liberdade, num contínuo isolamento, mesmo as da nobreza”. Um dito popular da época: “Mulher só sai de casa três vezes: para ser batizada, para se casar, e para ser enterrada”. Isso não mudou no Brasil – mulher presidente da República, ministra de Estado? Diretora de Hospital? Não pesquisei o assunto, mas acho que isso foi influência do período mouro na região.
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Onde afinal acomodaram tanta gente? A residência de Dona Constança foi a primeira a ser requisitada…e apareceu na porta o temido “PR” – Príncipe Regente – que o povo, criativo e já nada satisfeito com a honra de acomodar a nobreza de Portugal, interpretou a seu modo: ponha-se na Rua! Sem mais delongas, tinha que sair imediatamente, sabe-se lá para onde.
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Se o povo da cidade não estava feliz, menos ainda os recém-chegados. Comentário de um certo John Luccock sobre o palácio construído para residência da familia real: “Absolutamente desprezível como habitação real: um casarão sem nenhum mérito arquitetônico”. (Fontes não autorizadas: “1808 – A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro”, de Aníbal de Almeida Fernandes; “A família real no Brasil, política e cotidiano (1808-1821)”, Juliana Gesuelli Meirelles). Voltaremos após nossos comerciais.