Em estrada contrária ao governo federal, Cachoeiro encerra semana de promoções culturais
Em estrada contrária trafega o prefeito Victor Coelho (PSB), que não acredita na “tese” insólita e desarrazoada – mas ainda vigendo no âmbito do governo federal – de “que cultura não dá voto”. Sábado passado (28), por exemplo, compareceu à comemoração dos 60 anos da Academia Cachoeirense de Letras como parte final da semana dedicada à “Bienal Rubem Braga”, com intensa programação cultural. Poucos prefeitos tiveram essa agenda.
Aliás, na programação dos festejos da cidade, agora no mês de junho, dentre outras promoções culturais, vai homenagear o professor Aylton Rocha Bermudes, com a inauguração de um busto no colégio Liceu Munis Freire, onde o professor lecionou por 21 anos. Poucos dias antes de completar 100 anos (faleceu em 10/03/21), o homenageado ressaltava que o colégio era – ainda é – público, o ensino, gratuito. “Entretanto, as famílias abastadas e tradicionais, profissionais liberais bem sucedidos faziam questão de que seus filhos estudassem no Liceu, mesmo que tivessem de submeter-se ao exame de ingresso (admissão) mais de uma vez”.
Ao mesmo tempo, o município vai homenagear o filho do professor, célebre advogado Sérgio Bermudes, que propiciou um vultoso socorro financeiro ao município para amparar seus conterrâneos que sofreram com a violência da maior cheia do rio, em janeiro de 2020. O advogado será homenageado, na mesma data, com a comenda Rubem Braga.
A mística, em síntese, é que ao homenagear os filhos da terra que projetaram a cidade, como é o caso do professor Aylton, uma das culturas mais sólidas do Estado e um dos seus advogados mais talentosos, o prefeito Victor, além de permitir o curso normal do bairrismo “da capital secreta do país”, extrai lições preciosas do urbanista do país, Jaime Lerner, que, em Cachoeiro, se encantou com essa combinação de sentimentos.
Disse ele: “Cachoeiro é um desafio por entre morros, pois “uma cidade é como o corpo humano: buscamos ter nossas funções fisiológicas e biológicas sempre em bom estado, mas isso não basta; nos alimentamos também do simbólico, da arte, cultura, memória, espiritualidade”.
Tudo foi pensando e sentido. Daí a escolha de Newton Braga para as comemorações da Festa de Cachoeiro, no final do mês de junho, com o simbolismo da homenagem ao cachoeirense ausente. Dizia ele que o final do mês de junho assinala o mês de férias escolares e os cachoeirenses que se mudaram poderiam retornar. Os irmãos Braga foram os eternos vigilantes desse sentimento. E, sobretudo, os cultores do bairrismo. Neste período, também, os políticos aproveitam para estender suas mãos e seus abraços. Este ano será propício.
Rubem e Newton ensinaram os cachoeirenses que o maravilhoso da vida está nas coisas simples: uma amendoeira, uma gurubumba, um ninho de tico-tico, um canivete. Quando não tinham assunto, eram melhores ainda.
Por sua vez, o prof. Aylton, que vai ser homenageado, era um homem culto. Os familiares sempre dizem que antes de morrer era pego declamando “O Sermão da Sexagésima”, um dos mais conhecidos “Sermões” do escritor e orador barroco Padre Antônio Vieira. Além disso, um jurista respeitado, um orador fascinante e um professor que deixou lições de vida para todos seus alunos.
Em seu livro “Sulco dos tempos” sussurrou: “Na procura da felicidade é indispensável a convicção de que ela não vem completa, em estado puro, que sua veste de luz se cobre, às vezes, de sombra e que não se pode gozá-la sem uma parcela de inquietação. O poeta se enganou: ‘A felicidade está apenas onde a pomos e nunca a pomos onde nós estamos’. Existe, sim, e a alcançamos, mas aos poucos, em fragmentos, em porções descontínuas, mesclada de frustrações e pesar, reflexos de luz na treva, instantes de compreensão, de amor e paz.”