Entre o adoecimento e a reação
Não é a primeira vez que expresso aqui a dificuldade dos tempos em que vivemos. Entre elas, quero ainda refletir a dificuldade (que chega à impossibilidade) do diálogo, ou seja, o entendimento por meio do logos, da racionalidade, que tem ultrapassado todos os limites, são situações que sufocam, oprimem e adoecem.
Aprendi desde a infância que por mais dócil que seja o animal, quando ameaçado e encurralado, reage.
A insanidade na relação do atual governo brasileiro com o povo está nos conduzindo a essa fase. São perguntas que não podem ser feitas, obrigatoriedade de apoio ao governo por funcionários públicos e punição aos que se declaram oposição, descredenciamento das verdades científicas, o tráfico de informações estratégicas para o mercado financeiro, que proporciona ganhos exorbitantes, e a certeza da impunidade que leva ao descaramento do enriquecimento ilícito explícito.
Enfim, tudo indica que estamos vivendo uma ditadura que impõe seus desmandos e mantém qualquer resistência sob controle, toma atitudes incoerentes com a intenção de intervir na educação e na cultura, desmantelando as construções penosas e demoradas do phatos social, e ainda tira proveito de toda situação possível para ampliar lucros de seu grupo familiar e amigos.
A necessidade de liberdade e a exigência de comportamento ético dos governantes está nos levando a uma exigência de reação, principalmente por que somos um povo que já sofreu as agruras de uma ditadura e conhece seus mecanismos de persuasão, seja por meio de propaganda enganosa ou uso da força.
Naturalmente, não podemos desprezar o fato de uma parcela da população, iludida com preceitos (pseudo) religiosos ou morais, espírito de vingança, ressentimento, posição de vantagem, ou ainda por desconhecimento, ou negligência ao conhecimento da história, se deixa influenciar pela situação. Contudo, cada vez fica maior o contingente que desembarca dessa canoa furada e os que nunca embarcaram já estão no limite de sua tolerância.
O problema é suprir a simples necessidade do povo se sentir respeitado em sua vida, seus avanços, sua construção cultural, histórica e social, na condução do país para lhe ajudar a ser feliz, construindo a compreensão, tolerância, aceitação da diferença e compassividade nas relações.
Assistir passivamente essa desconstrução, que afeta diretamente a vida da população, no mínimo adoece. A angústia, a revolta, a incerteza e a opressão vão se acumulando e terminam numa bifurcação: aceita a doença e se submete a seus sintomas ou reage sob qualquer condição, inclusive de risco.
Do que mesmo estamos falando?
Palavras presas: indignação? Reação? Revolução? Boiada estourada? Guerra civil?
Por mais que pareça violento, ainda é melhor que a letargia e suas consequências. Para ilustrar, quero deixar aqui uma parte do “poemas presos” de Viviane Mosé.
(…)
Pessoas adoecem da razão
De gostar de palavra presa
Palavra boa é palavra líquida
Escorrendo em estado de lágrima
(…)
Que a lágrima de tristeza e sofrimento seja do opressor!
Everaldo Barreto é professor de Filosofia