A confusão é a última que morre, disse Confúcio
A Papel Pequeno é uma gráfica simpática comandada por JC, que está ali há tantos anos que todos pensam que ele inventou a imprensa. Como o nome indica, a empresa é de pequeno porte, e além de santinhos para políticos e livretos de hinos para igrejas evangélicas, imprime livros dos autores rejeitados pelas grandes editoras, as chamadas donas do mercado que se deleitam em nos confundir. A confusão é a última que morre, disse Confúcio, e a Papel Pequeno se banqueteia nesses resíduos.
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A cada obra publicada JC imprime mais do que foi estipulado, porque erros acontecem, e se o autor voltar reclamando que um ou dois exemplares foram com defeito, ou se quiser mais seis ou dez, fica caro e dá trabalho reeditar. Sem falar nos erros que sempre acontecem e exemplares defeituosos precisam ser trocados. Com o tempo o espaço na pequena gráfica já não comporta tantos livros, mas reciclar ou jogar fora não passa pela cabeça do JC, que tem pelo papel impresso uma paixão religiosa, não importa quem seja o autor e qual o tema da obra.
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Todos são bons e dignos de premiações literárias, mas uns dão mais sorte que os outros. Talvez uns tenham bons padrinhos enquanto outros são pagãos. Ou o autor soube vender seu peixe. Entendendo o potencial de qualquer livro, JC só sai da gráfica com alguns exemplares no bolso e na bolsa, distribuindo-os à mão cheia em qualquer tempo e lugar: fila de banco; sala de espera de dentista; corredor de supermercado; academia de ginástica; festa de casamento e aniversário; caminhada no parque; banho de sol na praia; fila do ônibus, comício e passeata. Volta sempre de coração pleno e mãos vazias.
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Acomodado há anos no mesmo endereço, JC não apenas lê todos os livros que publica mas também conhece todos os habitués do pedaço. Assim, por acaso, percebe que o guardador de carros da área, nas horas de folga entre ajudar o cliente a estacionar e desestacionar o veículo, senta no meio fio para ler um livro. Surpreso, JC vai até ele, O amigo tão humilde entende desses hieróglifos? O rapaz se ofende, Quê isso, cara? Guardador de carro é ofício de responsabilidade, não estou roubando nem assaltando ninguém.
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JC oferece o cachimbo da paz: Se gosta de ler, vai lá na gráfica pegar uns livros. Agradecido, o rapaz aparece ao fechar o expediente, e leva pra casa uma sacola cheia. Quando volta para devolver, JC explica que foram doados, não emprestados, e ele pode levar mais se quiser. Leva. Dias depois ele volta, explicando que a professora da Favela do Farelo está montando uma biblioteca e precisa de doações…JC manda uma caixa com seus melhores volumes, até livro infantil com ilustrações havia.
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Mas o tempo passa e a vida não pede licença para nos surpreender. O tsunami da Internet mudou hábitos e costumes, uns ganharam e muitos perderam. Hoje qualquer ‘autor’ imprime um livro na impressora da biblioteca, ou publica online. Se vende ou encalha é assunto de cada um. As grandes editoras se adaptaram, enquanto as minúsculas, como a Papel Pequeno, ficaram às traças. JC vendeu o imóvel para uma igreja evangélica que imprime seus próprios livretos e panfletos. Mas continuou amando os livros e um certo dia, entrando numa livraria, depara com o guardador de carros, agora um best-seller. O sujeito o chama de lado, Vou te mandar alguns volumes pra você distribuir com sua clientela. É, a vida tem dessas coisas.