Cansada das lentas noites preenchidas com os insossos filmes do Netflix, Malva encontra Peres na Internet. A fase de aquecimento dura pouco; o rapaz é imigrante em Miami e a convida a conhecer o paraíso das compras, “É mandatório visitar Miami pelo menos uma vez na vida”. Malva explica que não conhece ninguém na cidade e não tem onde ficar… “Meu apartamento é pequeno mas dá pra dois…” O momento é propício ao romance – o preço das passagens despencou e o visto está quase na fase do cônsul americano levar na sua porta.
Trocar as suadas economias por dólares é mais penoso, mas tudo vale o risco quando o coração não é arisco, disse algum poeta. Ao chegar, porém, Malva depara com a amarga decepção – Peres não está esperando no aeroporto com um buquê de rosas nas mãos, como sonhava acontecer. Confiando que algo muito grave o teria retido – acidente de trânsito, sequestro, passeata de imigrantes ilegais, ataque terrorista – Malva espera horas no setor de chegada, e por fim vai procurá-lo. Ao dar o endereço ao taxista, porém, outra amarga decepção…
“Sinto muito, Miss, mas esse endereço não existe. Tem certeza que é em Miami?” Outra vez sozinha e amargurada, agora em terra alheia, Malva encara a dura realidade – retornar sem conhecer a cidade e ainda pagar multa pela alteração da data de retorno da passagem. O gentil taxista, porém, sugere que ela fique, “Miami é tão bonita, praias, shoppings, museus, bons restaurantes, e nessa época os hotéis estão com bons preços”.
Malva esplica que não tem dinheiro pra tanta ventura, “A senhorita pode ficar no meu apartamento… é pequeno, mas dá pra dois”. O taxista é simpático e educado, o carro é novo, e Malva avalia rapidamente os prós e riscos… Por que não? E aceita o convite. “Moro longe e trabalho o dia todo, posso deixá-la em um shopping ou na pizzaria de um amigo. Se ajudar na cozinha come pizza de graça”. Optou pelo restaurante, lavou formas de pizza o dia todo e na hora de fechar outra amarga decepção a agride – O taxista não comparece.
Em vão ligou várias vezes para o celular que ele lhe deu. O restaurante precisando fechar, os empregados saindo, e o dono não ia ficar esperando a noite toda, “Posso deixá-la no apartamento dele…” Cansada de decepções Malva recusa a oferta, e pede que a deixe em algum hotel nas imediações. “Não precisa gastar dinheiro com hotel; moro aqui do lado, pode dormir essa noite ou ficar pra sempre. O apartamento é pequeno mas dá pra dois”. O pizzaiolo é simpático e educado, a pizzaria tem bom movimento, e Malva avalia rapidamente os prós e riscos… Por que não?
Malva aprende a preparar os molhos de pizza, sem remorsos de acabar com uma amizade de muitos anos entre dois. Pizza não era bem seu prato favorito, mas nos dias de hoje não se pode ser muito exigente. E assim acabaram as longas noites solitárias vendo filmes na TV, mesmo porque a pizzaria fecha tarde. Não é assim uma Pizza Hut, tem poucos sabores no cardápio e o local não é nada parecido com a South Beach, mas tem bom movimento e uma pizza dá pra dois.
E o taxista? Por uma dessas inferências do acaso, naquela noite ele pegou uma longa corrida, mas telefonou pro amigo avisando. Para compensar o agravo, Malva importa de Vitória as duas melhores amigas – a Lina para o taxista – que antes de ir pro ponto a deixa em algum shopping, e a Neide para o Peres, o da Internet. Que admitiu ter sofrido um ataque de pânico e não teve coragem de ir encontrá-la no aeroporto. Arrependido, vivia reclamando que o apartamento era grande demais sem dois.