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Política, politiqueiros e politicagem

É urgente refutar a degeneração da democracia

Muitas vezes penso que o andamento da política brasileira traz, mesmo diante de tantos absurdos, um benefício maior à população que é a sua popularização, o que teoricamente enriqueceria o debate. Contudo, o que assistimos é bem o contrário. O debate está cada vez mais reduzido ao confronto de interesses menores, como se dá nas competições em que as torcidas se formam por bairrismos e outros valores ligados à individuação dos competidores.

Para refletirmos sobre o caso, precisamos entender o que aconteceu com os rumos da discussão política na história da humanidade que fez com que chegássemos a essa desfiguração de uma atitude historicamente nobre.

Na Filosofia Antiga, podemos beber em Platão com sua obra A República, principalmente no livro VII com o Mito da Caverna, para entender a nobreza da atitude política. O fugitivo da caverna, após sofrer em sua saga de libertação, desde o rompimento das correntes até o percurso árduo da subida para sair da caverna, a cegueira do primeiro contato com a luz, dentre outros enfrentamentos, retorna à sua antiga prisão para contaminar seus parceiros da necessidade de conhecimento da verdade para a própria libertação. Atitude política: “se sacrifica” retornando à escuridão, por um caminho difícil e para uma tarefa mais difícil ainda, que é a libertação de quem não se enxerga preso. Embora o resultado de sua nobre atitude o tenha levado à morte, vale a leitura do Livro VII de A República.

Depois de Platão, seu aluno Aristóteles, considerado “O Filósofo”, define três formas de governo: monarquia, aristocracia e democracia, destacando que podem acontecer degenerações que as tornariam respectivamente: tirania, oligarquia e demagogia. A partir daí, poderemos entender melhor o que aconteceu na política e, principalmente, em nossa democracia.
A democracia foi definida pelo Filósofo como “poder político dissolvido entre a massa de cidadãos”. Isso parece muito bom, mas na prática a teoria é outra, o poder fica na mão dos representantes que vão defender seus interesses e de seus grupos de apoio, como previsto por Aristóteles em sua degeneração para uma demagogia.

A demagogia se tornou tão clara em nosso tempo, que os quase 2.500 anos que nos separam desaparecem. É como se O Filósofo tivesse sido inspirado pelos jornais de hoje, principalmente se verificarmos como verdadeiramente se dá o engajamento dos políticos, tão distante da visão de sacrifício pela coletividade que ele entendia.

Ao invés disso, é uma posição almejada por todos que queiram uma pose privilegiada na sociedade. Além dos altos salários, os privilégios e o uso do poder para proveito próprio ou de grupos de apoio se tornaram vala comum, previsível e aceita passivamente pela sociedade como se fosse o trivial.

Para esperançar tempos melhores é fundamental sermos fiéis aos conceitos e buscar a construção de uma sociedade politicamente amadurecida, que eleja o representante sábio, exija-lhe isenção na administração da coisa pública e se esclareça cada vez mais dos objetivos de vivermos num contrato social que prevê uma representação para os interesses de todos, refutando a politicagem da enganação e os politiqueiros dos interesses menores.

Naturalmente isso não acontecerá facilmente, necessita de um rompimento com nossa cultura que privilegia sempre o sujeito individual, mesmo que em função coletiva, lhe permitindo o exercício de preferências e pessoalidades, da conhecida “lei de Gérson” ou o dito popular: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Outras fontes mais modernas, como Maquiavel e Montesquieu, já contaminados com essa “degeneração” pós idade média, constroem, para o exercício da política, novos olhares que em si esclarecem, justificam e modelam a prática de política que vivemos, valendo uma boa leitura sem deixar de considerar a característica de seus tempos, quando o “sonho” aristotélico já havia acabado.

A Filosofia enquanto reflexão do mundo e de si, se faz ferramenta útil nessa tarefa. Somente o cidadão esclarecido e crítico poderá reconhecer, romper e lutar contra a degeneração da democracia que vivemos. Talvez por isso mesmo, ela esteja constantemente ameaçada de ser excluída das grades curriculares. 


“Como é perigoso libertar um povo que prefere a escravidão!” Nicolau Maquiavel

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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