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Prenúncio de uma gestão pragmática

Ainda é muito cedo para fazer qualquer ilação sobre a linha que o novo presidente do Tribunal deve imprimir à corte estadual . Afinal de contas, Sérgio Bizotto tomou posse faz só algumas horas. 
 
O discurso de posse, porém, dá algumas pistas importantes sobre alguns compromissos previamente assumidos por Bizzoto para o biênio que se inicia. O desembargador não escondeu o tamanho da responsabilidade de suceder Pedro Valls Feu Rosa que, convenhamos, fez uma gestão bem acima da média. 
 
O novo presidente fez questão de destacar a competência do antecessor, além de reconhecer que Pedro Valls fez uma gestão marcada pela inovação. Bizzoto, em comparação à inquietude inovadora do antecessor, admitiu, de alguma maneira, que tem um perfil mais cauteloso. Pragmático, talvez, seria o termo mais adequado, que, a propósito, não é um adjetivo negativo. Longe disso. O técnico Tite, ex-Corinthians, levou, com um esquema tático pragmático, o alvinegro do Parque São Jorge a uma conquista inédita e extraordinária: o Mundial de Clubes. 
 
Bizzoto quis deixar clara que a cautela não é sinônimo de retrocesso. “Não que venha eu a ser um neófobo histérico, um misoneísta intransigente (…)”. 
 
Pode ser que Bizzoto até surpreenda, mas alguns compromissos preliminares, sinceramente, inquietam. O novo presidente, adotando um discurso visivelmente corporativista, fez questão de destacar o trabalho dos juízes de 1º grau, que estariam, segundo ele, sofrendo não apenas pela “desumana quantidade de trabalho”, como também por ameaças de violência física. 
 
A deixa foi oportuna para o desembargador prometer que fará um grande esforço para cobrir o déficit de magistrados, que hoje gira em torno de 140. “Quero ver se deixo a presidência do tribunal, daqui a dois anos, com o quadro completo de juízes”. 
 
Só por essa afirmação se percebe que Bizzoto e Pedro Valls têm visões bem distintas. O primeiro é notoriamente mais corporativista, já o segundo, como reconheceu o próprio Bizzoto, está à frente de seu tempo. 
 
Há uma semana, em entrevista a Século Diário, Pedro Valls foi muito corajoso ao defender sua visão sobre a necessidade de uma profunda reforma no Judiciário, mostrando, mais uma vez, que não tem medo da mudança. Vale a pena repetir a fala do desembargador para quem não teve a oportunidade de ler a entrevista. “Seria muito fácil para mim dizer que estão faltando juízes. Eu os convenceria, talvez, porque faltam 140 juízes no Espírito Santo. Seria muito fácil ir perante a população e dizer que é só nomear magistrados e servidores, mas iria contra os meus princípios, porque essa não é a verdade. A grande verdade é que precisamos repensar o nosso modelo de Judiciário, o nosso modelo de legislação”.
 
E prossegue: “Vou começar a explicar, citando um episódio ocorrido em Santiago, no Chile. A partir de um dado momento no tempo, foi multiplicado o número de juízes por quatro. Aguardou-se um prazo de cinco anos e partiu-se para uma nova estatística. Foi concluído que os processos andaram apenas o mínimo mais rápido e que esse avanço não compensou face o aumento de despesas. Daí o Centro de Justiça das Américas cunhou uma frase que gosto muito: 'Mais da mesma coisa, não adianta'. É o caso do mundo das leis no Brasil, mais do que aí está não vai resolver”, advertiu.
 
E finalizou: “Se eu nomear 140 juízes e distribuí-los em todo Estado, eu estarei melhorando muito pouco o andamento dos processos. Eu não resolveria nada. Eu fiz uma conta outro dia, se eu quiser colocar o serviço do Fórum de Vitória em dia, eu vou ter de fechá-lo, vou colocar quatro vezes mais juízes que tem hoje e eles levarão cinco anos para deixar tudo em dia, trabalhando oito horas por dia, sete dias por semana. Quando eles acabarem, eu terei uma montanha de processos quatro vezes maior do que está lá hoje. E qual a pergunta que faço: tem solução nesse atual sistema? A resposta é não”. 
 
É por essas e outras que a gestão de Pedro Valls representou um grande avanço para o tribunal. Visivelmente, o ex-presidente do TJES fez uma gestão que buscou fortalecer o tribunal de fora para dentro. Veja, por exemplo, o reconhecimento do Prêmio Innovare (premiação às práticas inovadoras no Judiciário). O próprio Bizzoto, no discurso de posse, destacou a valiosa conquista de Pedro Valls para o TJ capixaba. 
 
O novo presidente, aparentemente, deve tentar manter a corte fortalecida pelo caminho inverso, ou seja, de dentro pra fora. Basta observar suas críticas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “(…) o Judiciário acaba por sobreviver estrangulado por órgão de controle [CNJ] que lhe determina os passos, que lhe amputa uma secular independência”.
 
É claro que é preciso respeitar o perfil de cada um. Não se espera que o novo presidente reze na cartilha do antecessor. Talvez Bizzoto surpreenda e faça, à sua maneira, um bom trabalho. Mas, se em alguns momentos o novo presidente quiser se recolher ao gabinete de Pedro Valls para buscar um pouco de inspiração, será uma sensata iniciativa. 

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