A arte dos haikais se encaixa perfeitamente nas nossas modernas mensagens de texto: curta, rápida, concisa
Janeiro é tempo de haikais, deles – os que escrevem; nossos – que apreciamos; e de muitos outros. Embora tenham iniciado no Japão em 1600, esse formato breve e conciso combina bem com a pressa dos nossos dias, a preguiça ou falta de tempo para ler ou escrever. Mesmo tão antiga, essa arte se encaixa perfeitamente nas nossas modernas mensagens de texto – curtas, rápidas, concisas. Precisa mais? Você não tem que ser poeta registrado em academia para cometer um ou dois… eles já estão na nossa conversa diária. E nos nossos twiters.
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O grande mestre dos haikais foi Matsuo Bashô, poeta japonês. Hoje em dia temos o direito de duvidar de tudo que a história e a lenda registram, portanto pergunto: tem certeza? Muita gente ficou famosa às custas da criatividade de outros. Muitos entendidos insistem que Matsuo foi o inventor dos haikais, e embora nem todos concordem, ninguém provou que sim ou que não. Matsuo elevou esse pequeno verso à categoria de arte: “Agora vamos lá fora / apreciar a neve… Até eu escorregar e cair. (1688).
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Uma triste história de um amor perdido se resume em três versos sem métrica: “Ela esperou anos e anos / ele casou com outra / e nem avisou”. A solidão e a pandemia bem ilustrados no haikai de José Carlos: Quando chego naquela cidade / vejo o mar, sinto o vento / Oh que felicidade. Deny Gomes: O condor /pousa na minha praça / e ela vira céu. Millor Fernandes: Exótico / O chale da velha / na jovem é apoteótico. Mais Millor: Esnobar / é exigir café fervendo / e esperar esfriar.
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Cem anos depois de Matsuo, outro autor japonês elevou a complexa arte dos versos de três linhas, Issa: Floresce a ameixeira / E canta o rouxinol / Mas estou só. Como Matsuo, Issa foi andarilho, teve uma vida difícil e foi professor de poesia. O haikai é levado a sério no Japão – não basta rabiscar umas linhas apressadas – Olha o céu, olha o mar, hoje não tem luar… Tem que estudar anos e anos, adquirir a técnica e o pensamento dos mestres.
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Zira: Um lindo domingo / eu como pudim / os irmãos fazem versos. De Clara Toma: Beija-flor na janela / Entre nós a cortina / movida pelo vento. Paulo Leminski: O jardim da minha amiga / todo mundo feliz / até as formigas.
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Matsuo foi um andarilho, viajando constantemente e registrando o que via, tanto em poemas como em gravuras. Uma mente inquieta em corpo inquieto
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Quase 400 anos depois, o haikai que tornou Matsuo famoso é ainda o mais citado e lembrado: Um antigo poço / o sapo pula dentro / o barulho da água (1686). Simples, e podemos ver e ouvir: o velho poço de águas mortas, o sapo atrevido perturbando a quietude da superfície, a água suja respingando no meu vestido branco… Perfeito! Houve um tempo no Japão em que era proibido censurar os poemas de Bashô.