Suprir a carência da razão com o místico
Sendo o povo brasileiro miscigenado por formação, a religião em seu uso instrumental não se restringiu à necessidade de transcendência, mas serviu também para dominação, formação, união e socialização do povo brasileiro.
Em nosso mundo de devir, as transformações pelas quais o cristianismo vem passando, não só as implantadas pelas grandes autoridades religiosas, mas também e principalmente as que acontecem nas paróquias, comunidades, quilombos, enfim no chão do mundo, refletem a vida do povo que resiste e constrói um espaço de socialização e transcendência todo adaptado ao seu modo de vida.
As festas juninas que acontecem em todo o país, agora no inverno, são um exemplo claro dessas transformações. Os festejos populares e as romarias, que têm características regionais misturadas às tradições religiosas e da fé, estão espalhadas por todo o país.
Aqui no Espírito Santo, a ligação religiosa no folclore transparece a interferência popular à compreensão da religião, adicionando elementos próprios como: pessoas de importância histórica, outras de importância estratégica à resistência e luta, também de importância social, comunitária e até familiar aos elementos da fé.
É natural que todos os ingredientes regionais adicionados à religião provêm da chamada experiência religiosa individual e atuam sobre ela, fazendo brotar no adepto o sentimento do sagrado, mesmo que esse ingrediente provenha do mais profano sentido.
Ao considerar a religião como uma busca natural de respostas às perguntas fundamentais de nossa existência como: qual o sentido da vida? O que acontece depois da morte? Dentre outras aflições da razão, a única importância está no sentimento do indivíduo que se identifique com a resposta religiosa e dela participa como razão suprema da vida. A forma de cultuar e os valores sagrados são construídos, a partir da conversão, na convivência social com a comunidade religiosa.
Somente com a clareza da compreensão do sentido religioso e da especificidade da prática religiosa de um grupo, poderemos compreender o sagrado que há nos festejos e apreciar tais manifestações, dividindo emoções próprias e comparando-as com as dos adeptos, sempre tomando por base que o sentido estará nas raízes culturais daquele grupo.
Vale lembrar que o mundo que construímos expõe o fracasso da razão na construção de divisões, guerras e sofrimento, enquanto o sentido místico, para além da compreensão racional, está sempre em busca do mistério como possibilidade de nos unir. Por isso o questionamento a Agostinho; “entender para crer ou crer para entender”?
Everaldo Barreto é professor de Filosofia