O tempo pode ser relativo, mas o relógio não é
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Se não puder voltar ligue para meu celular, caso tenha o número (não deixo aqui por motivo de segurança), mas não ligue para o fixo, que há muito foi desativado. Lembre-se que hoje qualquer assunto pode ser resolvido pelo celular, se estiver carregado. Se não tiver o número e não puder voltar, favor enviar mensagem para meu email, que também não deixo aqui por…se o assunto que veio tratar não for secreto ou pessoal, pode deixar por escrito (há papel e caneta embaixo do tapete).
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Se a razão de sua visita for emergencial, melhor ligar para a segurança (888-000), que lhe trará um formulário a ser preenchido. Você pode ainda falar com o faxineiro, se estiver no andar. Ele sempre sabe onde estou, embora eu não informe. Se houver alguém na sala ao lado (que saiu e não deixou recado), pode deixar encomendas, se for o caso. Havendo documentos a assinar, assine você mesmo. Se for cobrança, volte na semana que vem. Se for pagamento, volto em meia hora.
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Em tempos de celulares e mensagens de texto, os recados na porta ainda resistem aos avanços da Inteligência Artificial (IA), como nos tempos do Arnesto, que morava no Brás e cometeu a indelicadeza de não deixar recado. Volto em meia hora – ou duas ou três, informam, sem no entanto definir a que horas saíram. Portanto, nunca sabemos quando começou e quanto ainda falta para terminar a contagem de tempo da ausência. Mas sejamos realistas, quem volta realmente quando diz que vai voltar? Também não informam aonde foram e a que foram, se ao banheiro ali do lado ou pegou o metrô e foi ao dentista. O tempo pode ser relativo, mas o relógio não é.
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Recado dos sete anões para uma certa princesa: fomos à mina procurar ouro ou platina, que nunca achamos, voltaremos na hora do jantar ou quando der fome. Se for pessoa da nossa inteira confiança, pegue a chave atrás do vaso de violetas. Se for a bruxa má, a chave não está atrás do vaso de violetas. Se entrar, prepare a janta e lave as vasilhas empilhadas na pia há uma semana – a pia é muito alta. Se for uma princesa, não aceite presentes de estranhos, nem mesmo uma simples maçã.
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Em tempos de olho mágico, vídeo câmeras e trancas digitais, o recado na porta é tão obsoleto como o namoro no portão. Um velho ditado dizia, Se quer a casa bem guardada, entregue a chave ao ladrão – ele nunca entra pela porta da frente. Também deixamos recados na nossa parafernália eletrônica para os milhões de hackers que nos rondam: protegido pela mais sofisticada tecnologia de ponta…como não está adiantando, colei um recadinho no meu computador: o roubo de dados confidenciais dá câncer.
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Recado na porta do Batman: saí mas deixei o Robin na banheira de massagem e o Batmovel na garagem, favor não retirá-los. Se for do Ubermeat, a porta dos fundos não está trancada, deixe a encomenda confidencial no microondas. Se for da Amazon, jogue o pacote no alçapão do laboratório de pesquisas ultrasecretas. Não entre: risco de ser desintegrado.