A crise nacional, que é também regional, tem repercussões mediatas e imediatas, tangíveis e não tangíveis, sobre as instituições e sobre a sociedade no Espírito Santo. As mais tangíveis e mais imediatas já estão visíveis: carestia, perspectiva de desemprego, cortes de gastos públicos do governo estadual e de governos municipais, suspensão de investimentos de empresas, demissões. Ambiente de recessão na economia. E de pessimismo e revolta na sociedade.
Já as repercussões mais mediatas e não tangíveis também já começam a mostrar a cara. Na política regional, há o efeito desagregador e semeador de conflitos de interesses causado pelos cortes de gastos e pelo desgaste generalizado das elites políticas, dos políticos e das autoridades públicas em geral. É óbvio que o foco principal da revolta e da indignação do povo em geral e dos manifestantes é a presidente Dilma Rousseff, que é quem representa mais o Poder, ainda mais num sistema presidencialista como o brasileiro.
Mas basta andar nas ruas e acompanhar o noticiário online e offline, além de analisar os resultados da última pesquisa do Data Folha, para constatar que a indignação direciona-se também, e muito, para os políticos em geral, e para os parlamentares em particular. Portanto, é preciso que os políticos capixabas leiam os recados das ruas. A ira principal é voltada para o “fora Dilma”. Mas os prefeitos, parlamentares e o governador Paulo Hartung precisam, neste grave momento, ler e compreender os sinais das ruas e o andar da carruagem da História. Não para caçar bruxas. Mas para assumir responsabilidades, cada qual no seu quadrado. Não é hora para um surto da popular síndrome do avestruz.
E, aí, o nome do jogo é ENTREGA. A revolta contra Dilma é enorme. A indignação contra a corrupção é maior ainda. Mas nos estratos “C”, “D” e “E” da população, principalmente, a cobrança é por serviços. Sendo a saúde a campeã das cobranças, como se sabe. Como o ajuste fiscal vai cortar serviços na carne, é de se prever que os prefeitos e o governador Paulo Hartung poderão enfrentar brevemente alguma parte do “barulho das ruas”.
O governador, em especial, terá que fazer “escolhas de Sophia”: cortar naquele custeio que prejudica a qualidade dos serviços? Ou fazer uma lipoaspiração para melhorar a silhueta da máquina estadual, que tem hoje 25 secretarias? “Escolhas de Sophia”. Como fazer mais com menos? Como descentralizar a prestação dos serviços? Como entrar definitivamente na Era do Governo Digital? Guardadas as devidas proporções, as mesmas indagações cabem para os senhores prefeitos municipais.
Outras repercussões mediatas e ainda não muito tangíveis têm e terão a ver com o esgarçamento do tecido social. Este esgarçamento poderá ter dois sentidos e efeitos. O sentido de uma eventual falência na prestação dos serviços, fomentando um quadro de crise social que se somaria ao quadro já instalado de crise econômica e política. E o sentido de uma crise de dimensões culturais, esta tendo a ver com a maneira pela qual os cidadãos de um país ou uma região confiam nos outros cidadãos do mesmo país ou região. É a confiança que leva os agentes econômicos a adotarem – ou não – formas de cooperação e de associação para a produção social da riqueza.
No Brasil, e no Espírito Santo, este grau de confiança é tradicionalmente baixo. Num quadro de esgarçamento social, pode ficar mais baixo ainda. A confiança e a cultura da cooperação é que constroem o chamado “capital social” de um país/região. Este capital social é resultante de atributos como: uma ética do trabalho duro e da responsabilidade; um comportamento voltado para a cooperação e para a “propensão à reciprocidade”; uma mentalidade voltada para a inovação ; uma ética de olhar para o futuro, de poupar para o futuro, de ter projeto de construção do futuro. Uma conjuntura de esgarçamento social provoca um sumiço destes atributos, que já são limitados no Brasil e no Espírito Santo.
No final, como há um nexo causal entre capital social e desenvolvimento econômico, as crises podem resultar em reversão econômico-social e piora nas condições histórico-sociais. Seria como andar para trás.
Não é preciso ser teatral para enfatizar que o momento é muito grave. E que as repercussões potenciais sobre o estado do Espírito Santo vão além dos efeitos econômicos – inflação, desemprego, etc – de curto prazo. Por isto, vamos torcer para que não haja um surto de síndrome do avestruz – seja dos políticos e dos poderes constituídos, seja das entidades representativas da sociedade civil.