É preciso lembrar que Moro, agora na política, é um juiz parcial e sua obra só merece o lixo
O problema de Sergio Moro não é a voz esganiçada, como ele destacou na abertura do primeiro discurso como presidenciável, que pode ser melhorada por um fonoaudiólogo. Chama mais a atenção o tom de cinismo – ou descaramento -, como queiram os leitores, contido em suas palavras, pouco mais de quatro meses depois de ser considerado juiz parcial em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao afirmar que “em mim vocês podem confiar” e “vocês conhecem a minha história e sabem que tomei decisões difíceis e que nunca recuei de desafios, nem repudiei meus princípios para alimentar ambições pessoais”, o ex-juiz se coloca em sentido oposto à verdade. Apesar do histórico vergonhoso como juiz da Lava Jato e ministro da Justiça de Bolsonaro, Moro surge como figura muito bem-vinda para a imprensa corporativa, que, com memória fraca, tenta encobrir o desastre da Lava Jato, muito mais um projeto de poder político do que uma operação contra a corrupção.
Engendrada fora do País, com a colaboração de oligarquias nacionais, teve por finalidade quebrar o Brasil, submetendo aos interesses de corporações transnacionais. A prisão do ex-presidente Lula, a eleição de Bolsonaro, a inflação, os preços dos combustíveis, o corte de direitos, as reformas aprovadas no Congresso, o desemprego, a fome e miséria passam por aí.
O papel da imprensa corporativa serviu de base para o sucesso da operação, por meio de shows midiáticos exibidos diariamente nas telas de TVs e em jornais e revistas. Moro investiu contra um Brasil soberano, integrante do Brics, o bloco político e econômico emergente, um País dono do pré-sal, com imagem fortalecida no mundo, líder na América do Sul, resistente à crise mundial gerada pelo calote do mercado imobiliário estadunidense, e fora do mapa da fome. O argumento, o combate à corrupção lembrado por ele no discurso, não se sustenta mais.
Como não existem coincidências, no mesmo dia do discurso vem à tona decisão do ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), determinando a restituição dos prejuízos causados pelos procuradores da Operação Lava Jato, em virtude do recebimento indevido de diárias e passagens. Deltan Dallagnol, que coordenava a força-tarefa de Curitiba, juntamente com Moro, também é citado para devolver recursos solidariamente, valores de mais de R$ 3 milhões.
Nesse cenário, assisto nessa quarta-feira (10) ao filme A Sombra de Stalin, lançamento da Netflix, uma abordagem relevante sobre o jornalismo independente, em permanente confronto com o jornalismo vendido, usado pelas classes dominantes para manipular a sociedade e mantê-la desinformada. A obra é sobre o jornalista inglês Gareth Jones, assassinado antes de completar 30 anos e que teria inspirado George Orwell a escrever o correto “Revolução dos Bichos”, na década de 30 do século passado.
Ao ver o filme, não tem como não lembrar do Brasil da Lava Jato, pauta preciosa para a imprensa comercial que alardeou mentiras sobre a Petrobras e outras grandes empresas brasileiras, hoje destruídas. Revivida no discurso de Moro, sob aplausos da direita arrependida pelo apoio dado a Bolsonaro, mas fortemente ligada a interesses do mercado, cada vez mais ávido pelo lucro, e pela imprensa chamada de grande. Para esses setores, não importa a parcialidade de Moro, o jogo de poder que o levou a manipular os processos investigatórios para, unicamente, virar ministro da Justiça de Bolsonaro e depois indicado ao STF: desde que o Brasil continue definhando, hoje mais para uma colônia de empresas, como a Shell, a Esso e as estratégias estadunidenses, do que um País soberano.
O discurso foi o mesmo do Moro do antipetismo, do anticomunismo, de um cenário onde não há espaço para a ascensão social, o convívio pacífico entre raças, crenças e orientação sexual, onde a soberania, em defesa da falsa moralidade, dos bons costumes e da família, chegou ao seu objetivo: virar político, contrariando o que disse quando no comando da Lava Jato. Como bom mocinho, mantém a cumplicidade da imprensa, que o recebe sem qualquer questionamento sobre a crise atual.
Mesmo que não seja para disputar a Presidência República, ele está dentro, junta-se a parlamentares eleitos na onda do bolsonarismo. O algoz do País, alçado ao posto de salvador da pátria, fez o dever de casa: acatou ordens e conduziu a população por caminhos tortuosos abertos a partir de 2016, nas articulações que tiraram Dilma do poder, em um processo eivado de mentiras, colocaram Temer, e depois possibilitaram a prisão do ex-presidente Lula e a eleição de Bolsonaro.
Era preciso que fosse desse jeito, para barrar programas como o “Mais Médicos”, a “PEC das Domésticas e o “Pré-Sal”, com o modelo de gerenciamento que garantiria ao Brasil o controle da lucratividade, a destinando à saúde e à educação, como planejou a então presidenta Dilma. Ele fez o estrago necessário, é preciso que isso seja lembrado, a fim de que a sociedade não ajude a aprofundar ainda mais o poço em que se encontra. Moro é um juiz parcial e sua obra merece o lixo.