“Eu pude ver a névoa púrpura, como um tipo de aura, iluminando e cobrindo com seu brilho a figura de Jimi Hendrix”
“Cheguei em Casimiro de Abreu, peguei um ônibus em direção ao Sana, vi toda aquela natureza excepcional, meu trabalho de documentarista teria um dia especial, segui ao Sana Camping, encontrei uma amiga, conversei e comi uns pães e bebi leite e café. Tudo muito divertido, fui então me refrescar na Cachoeira das Sete Quedas.
Lá, encontrei um hippie, ele me deu um ácido e disse que meia-noite, perto da cachoeira, estava sendo organizado um show, perguntei, curioso, do que se tratava, e o hippie maluco disse que Jimi Hendrix estava vindo dos Estados Unidos e que ficaria hospedado num camping, e daria um show no Sana. Eu perguntei então se tinha ingresso, ele me disse que o show seria naquela meia-noite, ao ar livre, pertinho das Sete Quedas.
Fiquei achando aquela história muito bizarra e guardei o ácido para o tal show, poderia pensar que era um tipo de delírio, poderia ser uma banda cover da Experience? O que aquele hippie quis dizer com aquilo? Jimi Hendrix no Sana? Será o benedito? Bom, vou tomar o ácido, assim posso confirmar que o mundo real não passa de um delírio, e verei o show do Jimi Hendrix ao vivo, sou um privilegiado.
No meio da tarde, para me preparar para o show, coloquei um CD que tinha trazido, era o Band Of Gyspys, fiquei ouvindo Machine Gun por várias vezes e fazendo air guitar que nem um maluco. A recepcionista do camping me pegou em flagrante, fazendo gestos de guitarrista imaginário, e perguntou se estava tudo bem, se eu estava precisando de alguma coisa, fiquei meio constrangido, e interrompi por um minuto a minha performance, que foi retomada assim que a recepcionista deixou o local em que eu estava acampado. Finalizei a performance com Power of Soul e me senti o máximo.
Jantei a comida que tinha trazido, depois comi uma sobremesa, me alimentei bem naquela noite e segui para o tal show perto das Sete Quedas. Lá encontrei o hippie maluco e enigmático novamente, conversei com ele sobre música e arte, ele disse que o Jimi estava se preparando em seu camarim, que vestiria a sua roupa do show que ele fez na Ilha de Wight, repetindo toda a cena de Blue Wild Angel, o que todos veriam ali era Jimi Hendrix ressuscitado, ao vivo e a cores, privilégio exclusivo para quem estava no Sana.
Deu meia-noite, tinha uma banda local de hippies que faria a abertura do show do Jimi. Tomei o meu ácido, depois de uma hora ele começou a fazer efeito, o tal hippie, que havia sumido por um tempo, reaparece com um baseado e dá uma baforada na minha cara, eu já estava tendo os sinais de daltonismo e sinestesia, tudo parecia maravilhoso e agora acreditava piamente na história daquele hippie, haveria de fato um show do Jimi Hendrix no Sana.
E então, depois de encerrado o show da banda local de hippies, começa um estrondo, um barulho ensurdecedor de guitarra e distorção, reconheço ligeiramente a bateria de Mitch Mitchell, começa Manic Depression, logo vejo Jimi Hendrix entrar no palco, com sua roupa lendária do Blue Wild Angel da Ilha de Wight. Estava tudo muito real, a figura corporal de Jimi, o som de sua guitarra, Mitch tocando, e Billy Cox em seu cantinho acompanhando o delírio sonoro do maior guitarrista do mundo.
Jimi então enfileira Castles Made Of Sand, In From The Storm, Hey Baby, Hey Joe, Machine Gun, começa uma calmaria com The Wind Cries Mary, faz um blues longo com Red House, para em seguida explodir com Fire, e depois fazer um improviso mais bonito que todo aquele que ele fez em Woodstock, junto com Villanova Junction. Ele então toca o tal hino americano com bombas do Vietnã, seus solos podiam ser ouvidos por todo o Sana, as Sete Quedas vibravam de ácido e música.
O meu ácido duraria o efeito por seis horas, e já ia uma hora de show deste gênio da guitarra no Sana. Encontrei o tal hippie de novo e descobri que o que ele me disse mais cedo era tudo verdade, estava tendo um show do Jimi Hendrix no Sana, aquele hippie não era maluco, era um visionário. O hippie passa por mim novamente e dá mais uma baforada de seu baseado na minha cara e diz que o ácido que ele me deu era importado da Holanda, que era para eu agradecer aos deuses aquela ambrosia.
Minha sinestesia se aprofunda, ouço então Sargent Peppers, Killing Floor e a composição hendrixiana de Are You Experienced, seguida de Until Tomorrow e uma viagem lisérgica com Burning Of The Midnight Lamp, One Rainy Wish, e o fim do show vem com dois petardos, que são Voodoo Child e House Burning Down, e com o bis, última música, Purple Haze, em que eu pude ver a névoa púrpura, como um tipo de aura, iluminando e cobrindo com seu brilho a figura de Jimi Hendrix no palco, foi a minha experiência transcendental, meu transe místico.
O show se encerra, Jimi Hendrix não queimou a guitarra e nem tocou com o dente, mas solou impiedosamente sua Fender Stratocaster, ele se juntou então a Mitch Mitchell e Billy Cox e os três agradeceram o público, cumprimentaram o público do palco, havia umas cem pessoas no show, uma mistura de esquerda festiva, playboys perdidos na vida e hippies vendedores de artesanato, tudo muito bom e relaxante, a banda deixa o palco, eu tinha acabado de ver o show do Jimi Hendrix no Sana, e foi inesquecível”.
Guilherme Thompson, cronista e outsider.
Guilherme Thompson é um cronista outsider, documentarista eventual, jornalista autodidata, nascido em 01/01/1974 na cidade do Rio de Janeiro, ganha a vida em jornais diversos, trabalha por demanda própria, vive nas ruas caçando pauta, meio como um antropólogo intuitivo, estuda literatura e filosofia por conta própria, gosta de se vestir com camisas de bandas de rock clássico.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com