Compreender os motivos, revelar as circunstâncias e promover uma justiça equânime
A cada dia a população de encarcerados aumenta e obriga o Estado a gastar mais na construção e manutenção dos presídios, sem resolver a questão do aumento da criminalidade. Enquanto isso, a sociedade se torna cada vez mais vítima da incapacidade do poder público de lhe garantir a segurança, da violência da criminalidade, e do alto custo do encarceramento.
Refletir sobre o tema é mexer em casa de marimbondo. O crime afronta a população, que revoltada clama muito mais por vingança que justiça, enquanto o processo de encarceramento, que teoricamente deveria ressocializar, diante das condições de superlotação dos presídios, prioridades de investimentos do Estado e o senso comum da sociedade, transformam esses presídios em grandes depósitos de corpos majoritariamente jovens, com algumas exceções, no ostracismo.
Theodor Adorno, filósofo da teoria crítica da sociedade em seu artigo Educação após-Auschwitz, indica uma “inflexão em direção ao sujeito. É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos, é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, (…) A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica”.
O Estado brasileiro já se aproxima de 1 milhão de encarcerados, temos conhecimento que aproximadamente 70% respondem pelo crime de tráfico de drogas e seus periféricos, como os homicídios da guerra de facções, da eliminação de usuários devedores, da associação para o tráfico, e os crimes contra o patrimônio relacionados ao uso de drogas.
Bem, com a luz oferecida por Adorno, precisamos primeiramente descobrir se a chegada ao mundo do crime se dá por opção ou falta de opção, o que não é tão difícil. Nesta reflexão, vou me ater a essa parcela relacionada ao tráfico, em que a adesão acontece majoritariamente na adolescência. Penso que precisamos imaginar se no momento do cometimento do primeiro crime, o adolescente tinha em sua frente uma relação de opções válidas e atraentes, para dentre todas elas fazer a opção pelo crime.
Vivemos numa sociedade em que ter é muito mais importante que ser, e pior, esse não ter põe o indivíduo que “não tem” à margem dela. Essa carência material, revelada na forma de se vestir, de falar, de morar nos territórios periféricos e de “se virar para sobreviver”, por si só, já reduz substancialmente suas opções. Isso fica muito claro nos índices de evasão escolar dos filhos da população mais pobre, que não pode prescindir do trabalho deles para a complementação do orçamento familiar, totalmente voltado para as questões básicas de sobrevivência.
É preciso que a sociedade reflita, à revelia de seus preconceitos, se esses jovens, ao adentrarem esse caminho o fizeram a partir de opção ou condição, uma vez que o seu perfil, marginalizado por ela, já lhe excluía o prazer de viver em uma sociedade que o rejeitava.
O terceiro viés dessa reflexão é a Justiça enquanto instituição, extremamente ágil no encarceramento dos PPPs – pretos, pobre e periféricos – e excessivamente lenta com os crimes daqueles que tiveram todas as opções, inclusive de instrução e, por opção e ganância, adentraram no crime, como nos casos de corrupção, sonegação, prevaricação e tráfico de influência, dentre outros chamados popularmente de crimes do colarinho branco.
É claro que embora os crimes da violência urbana estejam em maior evidência e afetem mais de perto a população, os de colarinho branco trazem prejuízos muito maiores, tendo inclusive grande importância na multiplicação dos outros crimes, vez que subtraem os recursos da administração da sociedade, que poderia evitá-los com maiores investimentos em questões de assistência social às classes mais desprovidas de recursos.
Por fim, a educação na perspectiva de Adorno precisa de um direcionamento qualitativo às camadas mais excluídas para a formação de jovens cidadãos conscientes de sua capacidade de inserção para transformação de suas realidades.
“O humano estabelece-se na imitação: um homem torna-se um homem apenas imitando outros homens”. Theodor Adorno
Everaldo Barreto é professor de Filosofia