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Combater a cultura do domínio e da superioridade no dia a dia

Como afirma Hannah Arendt, a educação existe porque chegam crianças no mundo que precisam recebê-la com segurança. Essa educação se inicia na família, tem a contribuição da comunidade – como dizem os africanos, é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança – e se complementa na escola, mas não para por aí. Na verdade, a educação dura enquanto dura a vida, “o novo sempre vem” e é preciso educação para lidar com ele.

Novidades materiais, comportamentais, estruturais, tecnológicas, políticas, econômicas, etc. acontecem a todo momento. Para absolver ou conviver com elas, é preciso aprender. Esse aprender, na maioria das vezes, exige abertura da compreensão, capacidade de romper com o que estava colocado como verdade e adaptar-se. Quando nos referimos aos avanços materiais e estruturais, o aprendizado e a adaptação são mais simples e buscados por todos, ninguém quer ficar para trás, mas quando se trata de comportamento, é bem mais complicado.

A humanidade já viveu o absurdo da padronização do comportamento individual durante a idade média, quando a consequência desastrosa da existência e imposição de uma “verdade absoluta” resultou no iluminismo, substituindo Deus pela razão, e no existencialismo, com a prevalência do indivíduo. Contudo, o novo também sofre muita resistência do conservadorismo, por isso mesmo, a razão e o individualismo precisam estar sempre se defendendo.

A liberdade de ser do indivíduo incomoda muito, principalmente porque exige um novo aprendizado, uma percepção diferente daquilo que achávamos já conhecido, dominado. Na maioria das vezes, exige também a destruição de conceitos enraizados na formação cultural de um coletivo, e aí a dificuldade aumenta muito.

A dualidade entre o já estabelecido e o novo transparece em todos os setores da sociedade e precisa ser tratada na educação, com naturalidade e responsabilidade para que a transição aconteça.

Hoje,questões como identidade de gênero, configurações familiares, desigualdade social e clima estão no olho do furacão. São “novidades” que desafiam nossa capacidade de encarar o novo e enfrentar o conservadorismo, embutido em nossas formações. Parece simples? Não, não é simples, exige, como já disse, abertura para o novo e mudanças radicais (nas raízes) da nossa cultura, sob a égide do respeito.

Vamos aos exemplos:

Começando pelas desigualdades sociais e a crise climática, penso que é preciso romper com séculos de exploração dos mais fortes, desnaturalizar a farsa da meritocracia e buscar os reais motivos do enriquecimento das elites, suas posses e transferência a herdeiros e o uso que faz das “suas” terras, para encontrar as causas fundantes.

Quanto às questões da liberdade individual, explícitas na identidade de gênero e novas configurações familiares, penso que o grande instrumento de conscientização seja a linguagem. É preciso encarar o desafio de inclusão no verbo, popularizando assim a possibilidade de existência do “outro, outra e também a pessoa que não se define por gênero” em sua afirmação pessoal.

Além da dificuldade de considerar apenas dois gêneros, esse mundo dual, historicamente, fez prevalecer o masculino para nomear todo o resto, como nos vocábulos: o homem – representando toda a humanidade – todos, o mundo, o deus pai, além dos simbolismos do dia das mães, dos pais, dos namorados, etc.

Não me arvorando a ter receitas para solucionar problemas de tamanha complexidade, quero apelar a educadores – que todos somos – a atentarem para esta necessidade de mudança de abordagem, em nome de uma vida mais empática e harmoniosa, diante de nossas maravilhosas diferenças.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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