sexta-feira, setembro 13, 2024
27.7 C
Vitória
sexta-feira, setembro 13, 2024

Leia Também:

Trump, IA e a política do medo

A IA é o novo fantasma da campanha de Trump, mas até onde essa narrativa pode levá-lo?

Donald Trump, mais uma vez, recorre a uma velha tática para desviar o foco de suas fragilidades eleitorais: a criação de inimigos invisíveis. Desta vez, ele acusa a oposição de manipular imagens de seus comícios utilizando inteligência artificial. A alegação, aparentemente absurda, ganha terreno em um eleitorado que já foi condicionado a desconfiar de tudo e de todos, exceto do próprio Trump. O que está em jogo, porém, é mais do que uma simples disputa eleitoral: é o controle da narrativa e a manipulação da realidade.

Desde o início de sua carreira política, Trump se especializou em criar realidades paralelas que servem a seus interesses. Em 2016, a fake news se tornou o estandarte de sua campanha, um rótulo que ele usou para desacreditar qualquer notícia desfavorável. Agora, ele recicla a estratégia, mas com um novo vilão: a inteligência artificial. A acusação contra a campanha de Kamala Harris de manipular digitalmente imagens de seus comícios não é apenas uma tentativa de minar a credibilidade de sua oponente, é uma forma de reforçar a crença, entre seus apoiadores, de que ele é a única fonte confiável de informação.

A ironia é que, ao acusar Harris de usar IA para inflar o número de seus apoiadores, Trump está, na verdade, admitindo que as multidões que se reúnem em torno dela são uma ameaça real à sua campanha. Durante anos, o tamanho de seus comícios foi um símbolo de sua força política, uma medida visível de seu apoio popular. Agora, ao sugerir que essas multidões são artificiais, ele revela uma insegurança que não combina com a imagem de invencibilidade que sempre tentou projetar.

A tática de Trump pode ter um efeito bumerangue. Seus apoiadores mais fervorosos, já imersos em um ambiente de desinformação, podem acreditar tão cegamente nessa nova narrativa que acabarão subestimando a popularidade de Harris e, pior, a importância de comparecerem às urnas. Isso aconteceu em 2016, quando muitos eleitores de Hillary Clinton, confiantes demais em sua vitória, deixaram de votar. Trump parece estar jogando o mesmo jogo, mas com riscos ainda maiores.

A proliferação de tecnologias de IA e a crescente facilidade com que imagens podem ser manipuladas digitalmente criam um terreno fértil para a paranoia. Trump, sempre hábil em explorar medos e inseguranças, sabe que acusar Harris de usar IA ressoa com um público que já teme os avanços tecnológicos, no entanto, ao transformar a IA em uma nova fake news, ele pode estar alimentando um monstro que ele próprio não conseguirá controlar.

Se por um lado a estratégia de Trump de jogar com as percepções e temores de seus eleitores é astuta, por outro, revela uma campanha que, ao invés de se basear em propostas concretas e debates de ideias, se sustenta em uma espiral de mentiras e desconfiança. Essa postura pode acabar alienando não só os eleitores indecisos, mas parte de sua própria base, que pode se cansar de um discurso que sempre aponta para o caos, sem oferecer soluções reais.

No final das contas, a insistência de Trump em desacreditar tudo o que está fora de sua bolha pode acabar prejudicando sua própria campanha. A desinformação, quando levada ao extremo, tem o poder de cegar seus seguidores para a realidade política ao seu redor, deixando-os despreparados para uma derrota que eles não viam chegar. Se isso acontecer, Trump poderá descobrir, tarde demais, que brincar com a IA é, de fato, brincar com fogo.

Flávia Fernandes é jornalista, professora e pós-graduanda em Inteligência Artificial e Tecnologias Educacionais pela PUC-MG.

Instagram: @flaviaconteudo

  1. Emal: [email protected]

Mais Lidas