Uma destas leis da vida responde pelo nome de evolução
Existe um campo de batalha, uma guerra, em que não faltam tentativas de nos colocar em escaninhos, bem fáceis de entender e de manejar, e a luta precípua de uma vida original é decepcioná-los, jogar contra tudo o que pode tolher, podar, sabotar. Podemos também ser alvos de uma idealização, e também é nosso dever decepcionar sistematicamente uma proposta que não nos conduza ao que queremos, longe da idealização, com a vida real em campo, e nada mais.
A conduta clara, objetiva, não faz concessões, não regateia, e muito menos irá rifar a própria honra, e assumam as consequências desta escolha e de seus efeitos. Não há, de fato, o que negociar, a ética está determinada como vontade de poder, soberana, biográfica, sem peias em seu discurso, e que vai direto ao ponto. Não se rifa a honra e o respeito. A morte existencial, biográfica, reage, e dá um tiro de misericórdia no que poderia ser esta morte simbólica, que é a mentira, a farsa e o fingimento. E a vida afirmativa, livre, mata o seu matadouro, o buraco negro de planos que não lhe pertencem, e que sujam o seu nome.
De outro lado, o mau perdedor, em que pese a soberania dos fatos, como sempre, tem na impassibilidade dos resultados a determinação de sua derrota ipso facto, com a crueldade necessária do riso de escárnio que o mau perdedor precisa e merece. A vitória plena, diante do mau perdedor, exerce a sua soberania e classifica a realidade de acordo com o fato consumado. Seu parâmetro é a excelência do fato, da verdade, e nele se exerce a sua liberdade, produzida por sua vitória, e o mérito que afirma o seu critério distributivo de sucessos e fracassos, e o que será aprendido, ou não, com isto.
Sartre tinha uma frase existencial muito importante, e que pode definir a diferença entre uma vida que vingou e uma que sucumbiu, que diz o seguinte: “Não somos aquilo que fizeram de nós, mas o que fazemos com o que fizeram de nós”. A força espiritual, em um campo de batalha, irá formar o caráter, sua estrutura, sua resiliência, e toda uma gama de habilidades que se tornarão necessárias para enfrentar a selva com tática e estratégia, para que a meta seja alcançada.
E não faltarão golpes abaixo da cintura, que poderão atingir diretamente a sua honra, e a ação direta serve como o escopo em que a batalha, a guerra, será decidida, e como se diz, não se faz um bom omelete sem quebrar alguns ovos, e os que são derrotados neste trajeto podem ser estes que ficam quebrados pelo caminho, em relação à nossa permanente construção biográfica. Golpes baixos não faltam e não faltarão, é preciso estar atento e forte.
As regras são claras e as consequências para quem as subverte são inauditas, dolorosas, não existe pena e comiseração com o erro, existe sim correção, e mais adiante, corretivo, e que é definitivo. Não há qualquer coitadismo, pois escolhemos, decidimos e deliberamos, e isto ocorre o tempo todo, diariamente, a cada gesto corporal e mental. Portanto, a responsabilidade física e moral sempre está em jogo, o tempo inteiro.
A liberdade é uma mistura de conquista e merecimento, a prisão, por sua vez, é um merecimento das consequências de atos nefastos, que confrontam a civilização com o que há de mais asqueroso, moralmente e existencialmente, e a afronta, o assédio, de uma sucursal do inferno, toma uma rasteira precisa, cirúrgica, metódica, sistemática. Não se reclama do destino, não se blasfema a própria sorte azarada de terem sido pegos em flagrante, é do jogo perder, ser derrotado, e mau perdedor é pior, vamos com sangue nos olhos, com a faca nos dentes, para liquidar a fatura, sem mais.
A vitória é um anelo pleno sobre anelos liquidados. Prestes a pegar os frutos, Tântalo escorrega e cai, esta é a lei da verdade, não se dá asas à cobra, e as regras do jogo são obedecidas, querendo ou não, justamente por suas consequências. Abrir o olho, se orientar, não são meras expressões, são rotas prudentes, bem urdidas, e para quem está cochilando, um sacode que a vida pode dar quando necessário. O susto, a pegadinha, é exatamente para formar o caráter, esta é a questão.
A formação pela derrota é uma universidade para os fortes, pois os fracos olham para o abismo, flertam, e o abismo passa a olhar para eles, pois o atalho do cambalacho leva ao abismo, e o caráter em questão é subsumido pelo desastre de seus próprios atos. Os sintomas são auto evidentes, e as causas claras, para quem sabe ler situações, gestos e atos. Não tem mistério, e o derrotado é obrigado a lidar com este desconhecido, seu próprio futuro, o que ele terá que pensar finalmente, uma vez que seu anelo foi destruído, sua ambição sem nobreza colocada em xeque.
A confrontação existencial pela qual passa o derrotado é intensa, merecida, precisa em seu propósito, e fico feliz em informar que não há escapatória, a universidade da vida tem suas próprias leis. E digo que uma destas leis da vida responde pelo nome de evolução, que é uma régua, uma métrica, em que uns avançam e outros sucumbem, podem devoluir, regredir, acontece também, não é algo linear, pois a evolução também é uma escolha, uma decisão e uma deliberação, mas como lei da natureza, ela se dá itself, no todo, ou em certa conjuntura, até como nêmesis sobre os que regridem e sucumbem.
Uma conquista, uma vitória, é um merecimento de um esforço e sobretudo de uma postura, contra inúmeras correntezas, de benesses das quais o inferno está cheio, e não tem choro, a bala vai no alvo, o desiderato foi e é implacável. A vida biográfica não dorme no ponto, e a honra não poderá sofrer mácula, a reputação não joga com a glória, mas com a verdade, e este é o jogo supremo da vida, sua verdade, seus fatos, sua própria história, que não foi colonizada, alienada, sequestrada. A vitória é a vida plena, em que se escolhe, se decide e se delibera, sempre com os horizontes amplos em que o olhar pode se abrir e se expandir, feliz consigo mesmo e com seus eleitos.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com