Seguir a vida “dançando conforme a música”
Evoluir, ser bom e útil já pode gerar questionamentos profundos, porque não conhecemos verdades absolutas, somente as construídas pelos interesses aliados ao poder de cada momento. Esses interesses variam com o tempo e a forma de compreensão de um mundo, cuja característica é o constante movimento.
Parece brincadeira sem sentido, mas assistindo à construção do nosso mundo me pego questionando os fundamentos deste modo de vida e a razão de vivermos em cada momento e lugar com os valores e propósitos dali, como se fossem universais. Afinal, trata-se muito mais de adaptação que probidade. Para confirmar isso, basta viajar, conhecer outras culturas e compreendê-las.
O simples fato de passar mais de 30 anos nesse mundo nos permite até mesmo conhecer um “si próprio” do qual já se distanciou muito, ou até se livrou, pela alteração de valores adquiridos na trajetória, aquisição de novos valores e, também por conta deles. De alguns momentos carrega-se orgulho, de outros vergonha, traumas, etc. Como exemplo basta um passeio pela história da música, que sempre reflete seu tempo. Quantas músicas de grande sucesso do passado hoje são incoerentes e até agressivas como Amélia, Com açúcar e com Afeto, Rock das Aranhas, Mulata Assanhada, etc.
Não é à toa que a educação na Grécia antiga, a Paidéia Grega, se iniciava com a ginastica (principalmente dança e luta) e a música, ou seja, se aprende primeiro a cuidar do corpo e adquirir harmonia. É a harmonia necessária para reger o trânsito do ser por toda sua vida, sendo fundamental à vida gregária “(…) a essência da educação consiste na modelagem do indivíduo pela norma da comunidade” (Werner Jaeger – Paidéia).
O trânsito do ser pelo tempo ensina a flexibilidade na compreensão, principalmente num mundo cada vez mais globalizado e integrado pela comunicação como o atual, para que não se enrijeça valores, congele opiniões e efetivamente se “pare no tempo”.
A própria história da filosofia ocidental esclarece mudanças profundas no pensamento humano, vindo do pensamento mítico antigo até a contemporaneidade, passando pelo medievo, iluminismo e modernidade. Tem-se a impressão de que a cada evolução (se é que podemos chamar assim), somos libertados de cavernas de compreensão, como muito bem simbolizado por Platão em sua obra A República, com o mito da caverna – estamos sempre presos às nossas compreensões até que elas sejam desmascaradas.
Quando Nietzsche, em O Crepúsculo dos Ídolos, diz: “você tem que aprender a pensar como você tem que aprender a dançar, concebendo o pensamento como uma dança”, nos alerta para a flexibilidade e a harmonia como atributos fundamentais do viver humano.
“Deixa eu dançar pro meu corpo ficar odara. Minha cara, minha cuca ficar odara”. Caetano Veloso.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia