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A arte em ruínas?

Eram idos de 2015 e o professor Fael Du Lobo passeava por sua nova cidade de residência, Guarapari, quando encontrou as ruínas de uma igreja. Na hora enviou uma mensagem a Bruno de Deus, um dos agitadores culturais da cidade: “Que lugar fantástico. Temos que fazer algo aqui”. Bruno topou e ajudou a mobilizar outros apoiadores.

Meses depois seria realizado a primeira edição do Sarau Ruínas, reunindo diversos artistas e um público de cerca de 150 pessoas. Na segunda edição, o resultado foi ainda mais supreendente, com cerca de 400 participantes. “A gente não esperava nem estávamos preparados para receber tantas pessoas. Mas foi maravilhoso”.

No ano passado, o evento acabou não acontecendo por conta da greve da Polícia Militar na época para qual estava marcado o sarau. Agora, os diversos grupos culturais, artistas e público de Guarapari se preparam para receber a terceira edição do Sarau Ruínas no sábado, dia 12 de maio, num evento que costuma atrair também visitantes de outros municípios da Grande Vitória e do sul do Estado.

Se a ideia inicial era realizar um recital de poesia, desde a primeira edição o evento acabou se tornando um espaço de convergência de diversas linguagens artísticas, como teatro, poesia, dança, música, circo, performance e outros.

“Além das apresentações de artistas convidados, temos momentos de palco aberto. Isso atrai todas as tribos. Mesmo entre os artistas há segmentos que têm menos espaço, alguns que se sentem mais marginais entre os já marginalizados”, analisa Fael.

Qualquer pessoa pode expor sua arte no local ou participar do Palco Aberto de música e poesia, bastando se inscrever previamente ou até mesmo chegando na hora no evento. O público, segundo os organizadores, costuma ser diverso, atraindo famílias com crianças, moradores de rua, idosos.

O local é a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, construída em 1677 pelo donatário da capitania Francisco Gil de Araújo, conforme registrado numa placa instalada no local, já desgastada pelo sol. Na sua construção teriam sido utilizados pedras sobrepostas, areia, conchas trituradas e óleo de baleia. Mas nunca chegou a funcionar, pois foi acometida por um incêndio.

Ao longo dos séculos, o terreno foi usado como cemitério, prisão, horta da primeira escola da cidade. O monumento passou por processo de tombamento pelo Conselho Estadual de Cultura, sendo protegido desde 1989. Em 1998 um temporal derrubou o frontim. Hoje restam apenas as ruínas e o campanário. ”O turista conhece muito mais as ruínas que o próprio morador. O sarau também serve para trazer a questão da história e identidade local desconhecidas”, explica Bruno.

Além disso, duas reivindicações se destacam no fazer do evento. Um é a falta de políticas culturais para a cultura. “Na cultura local de Guarapari vemos uma ausência de políticas públicas. Há apenas bares particulares com música ao vivo focados no sertanejo universitário, poucos espaços se abrem pros trabalhos autorais dos artistas daqui”, conta Bruno. A outra questão é a ocupação do espaço público.

“Brincamos com palavras e dizemos que, ao invés de construir a cena local, queremos fazer obscenas. O Sarau Ruínas não pede permissão nem autorização a ninguém e subverte um espaço público para os artistas locais promoverem suas criações e se apresentarem para o público da cidade, chamando atenção para um monumento histórico”, resume Fael.

O principal organizador do Sarau Ruínas é o coletivo Sinestesia, articulado com outros grupos artísticos locais e com o (des)apoio do Facção In-Versa, que até já produziu um vídeo de antipropaganda do evento. “O Sinestesia organiza e o Facção desorganiza o evento”, brinca Fael, que integra os dois grupos.

A função do segundo, de inspiração em movimentos políticos e culturais como a anarquia, o dadaísmo e o surrealismo, é justamente provocar e surpreender, evitando que a atividade possa cair no conforto ou na mesmice. “Quem faz o Ruínas não é só quem está organizando, o próprio público, o espectador, se transforma em artista e os artistas também se tornam espectadores. Não é uma coisa engessada, estanque, com o artista aqui e o público lá”, complementa Bruno.

Para os organizadores, o sucesso do evento conseguiu derrubar alguns mitos, provando que há, sim, muitos artistas em Guarapari em diversos segmentos e querendo apresentar seus trabalhos, e de que é possível realizar eventos gratuitos e em espaços públicos, mesmo sem apoio fianceiro, a partir da construção coletiva e colaborativa.

“A realização do evento desdobrou muita coisa, começou a oxigenar a relação dos artistas, para colaborarem mais entre si, surgiram e se reativaram outros coletivos que andavam meio parados”, destaca Fael. A repercussão foi tanta na cidade que até os candidatos a prefeito pautaram o tema da cultura nos debates eleitorais, algo pouco comum.

As ruínas, mais que um lugar, se tornaram uma metáfora que norteia as ações do grupo organizador. “Sempre ruir, sempre abalar o que está solidificado, sempre em [des]construção…”, diz o convite.

AGENDA CULTURAL

III Sarau Ruínas

Quando: Sábado, 12 de maio, 17h

Onde: Ruínas da Igreja Nossa Senhora da Conceição – Rua da matriz, Centro, Guarapari/ES

Programação: atrações Musicais, apresentações de dança, esquetes teatrais, varal de poesias, palco aberto de música e poesias, exposição aberta de artes, performances, barraquinhas de comidas e bebidas

Participação gratuita

ATRAÇÕES CONVIDADAS

Literatura:

Fred Graniço – Lançamento do livro: Vo Se

Atrações musicais:

Chryso Rocha e Vanessa Loyola

Raíssa Castro e Murillo de Carvalho

Manga Rosa Experience

Atrações de Dança:

Jales Barbosa

Thais Pinheiro e Raíssa Castro

Artes Cênicas:

Trupe Maratimba

Circo Finito

 

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