Quando em abril deste ano o produtor, instrumentista, arranjador e compositor Sérgio Benevenuto falou que atualmente existe uma geração de cantores autorais nunca vista na história do Espírito Santo, ele fez questão de destacar um dos pontos negativos para que essa cena seja ainda mal apreciada: a falta de apoio da mídia.
E com a falta de visibilidade dentro da mídia local, restam aos novos cantores do Estado se utilizarem da internet. É lá que atuam num ativismo independente cantores já estruturados, além dos recém chegados na cena independente. Em um breve levantamento, é possível confirmar o que Benevenuto afirmou, são muitos e muitos cantores e cantoras. E em prol de conhecê-los melhor e dar espaço a suas produções, o Século Diário inicia nesta semana a série A Novíssima Música do ES.
Para começar, a série chega a um nome ainda bem novo, tão novo quanto o próprio dono do projeto, Guilhermy, de apenas 20 anos, dono do projeto Duarte. O jovem migrou de Guarapari para Vitória para estudar História na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e é pelo Campus de Goiabeiras que é possível encontrá-lo – mesmo destacando que é muito tímido, mas que fica admirado em receber elogios sobre sua música quando vagueia pelo espaço.
E não era de se esperar um jovem menos tímido, diante da música tão introspectiva e delicada produzida por Duarte. Bastaram poucas canções para que ele conseguisse uma razoável visibilidade na internet, com pessoas aguardando e pedindo por mais delas. O ‘boom’ na pagina oficial de Duarte aconteceu quando o projeto musical Brasileiríssimos postou a letra de uma das canções de Duarte, Mal Súbito, alavancando a visibilidade do jovem, que grava ainda munido apenas de seu celular e um violão simples – ah, e a potente voz, seu maior trunfo junto das letras.
Cru. É assim que se define Duarte. Ele se vê muito jovem e novo e, sim, cru. Foi há pouquíssimo tempo que aprendeu a tocar violão, só para poder musicar versos que lhe ocupavam a cabeça. Como ele mesmo diz, para desabafar. Morou então com um amiga que lhe emprestava o violão, comprou algumas revistas de cifras, e assim que aprendeu as primeiras notas de um cover estrangeiro, voltou-se a compor e tocar sua primeira canção, Marinheiro De Um Único Cais. “Dia 28 de agosto de 2014. Anotei essa data porque foi a primeira vez que encostei no violão e consegui tocar e cantar bem. Tinha tentado várias vezes antes e não havia conseguido”, recorda com detalhismo.
O acervo musical de Duarte está hospedado no Soundcloud, com exatamente oito músicas. Poucas, mas suficientes para conhecer a proposta do cantor. Elas não fazem parte de um projeto só, como um EP. Mas podem ser lidas fazendo parte um conjunto sim, já que como Duarte mesmo brinca, “elas foram escritas para uma pessoa só, um relacionamento só, e por isso se mostram tão em conjunto”, explica e brinca ao lembrar de um dos versos da cantora Clarice Falcão, em Monomania. “Quem vai comprar esse Cd sobre uma pessoa só?’ . A Clarice canta e eu penso nisso, inclusive”, ri o jovem que mostra se preocupar em explorar outras temáticas.
Mas Guilhermy Duarte não é um compositor de histórias não vivenciadas por ele. “As minhas letras não são projetadas, elas nascem. Não consigo muito escrever sobre o que não vivo, me soa um pouco falso a interpretação da canção – coisa minha mesmo. E na época em que escrevi minhas músicas havia uma necessidade em musicar sobre fatos de um relacionamento. Era uma forma de me abrir”, conta. O relacionamento de Duarte foi então a temática de quase todas as oito músicas disponibilizadas na internet. Algumas que versavam sobre o apaixonar-se, até chegar ao decepcionar-se e finalizar em estar liberto do apego e bem consigo mesmo.
Em Ressaca Duarte canta: Por você eu fui todo fisgado, sem dó. Meu pobre consolo é que não estou só. Meu barco é mais um em meio à multidão que tu arrastou para o teu mar, Capitão; passando por versos como: Um homem igual tu não merece um tostão, tão pouco minha embarcação navegar; e chegando à canção Agora: Fiz as pazes comigo mesmo, quem preciso cuidar e dar valor. Está nas letras toda uma trajetória do jovem, que se não fosse pela canção Maria (vídeo acima), teria feito mesmo igual a Clarice Falcão e escrito um projeto inteiro sobre uma pessoa só. Ele ri ao constatar isso. E os admiradores de seu trabalho agradecem o que o relacionamento trouxe como mote para as canções.
Maria é a única música de temática heterossexual e com um enredo e história estrategicamente criada por Duarte. Na época, despertou nele a vontade de contar uma história em uma música. Então compôs a história de Maria, uma mulher que foge e fere sua antiga paixão – num enredo passado no mar. Aliás, a linguagem do mar está bem presente em suas canções.
E diante de um trabalho tão introspectivo e delicado quanto seu autor, as apresentações de Duarte não fogem dessa linha. “Ainda são poucas as minhas apresentações e, de fato, elas têm sido bastante íntimas. Percebi que estava me escondendo por de trás do violão e comecei a trabalhar isso. Não sou um bom violonista, mas gosto de cantar e quero mostrar isso. No Sarau Ruínas, que aconteceu em Guarapari neste mês, foi a primeira vez que me senti completamente confortável em me apresentar. Por lá estavam amigos de adolescência, além de minha mãe”, lembra.
Tudo tem acontecido de forma muito rápida para Duarte, que recorda ter começado a buscar um meio de se expressar lá pelos 15 anos, quando descobriu uma depressão e, em seguida, sofreu de algumas crises de ansiedade. Do garoto que vivia trancado no próprio quarto até o cantor que volta e meia é reconhecido nos corredores e filas da universidade foram apenas poucos anos. Desde que lançou seu projeto, recebeu algumas procuras para produção e o convite do Projeto Sonzêra (acima), em que gravou dois vídeos de suas canções.
Atualmente ele está no processo de gravação de um EP, com músicas inéditas. A proposta é que lance tudo ainda este ano. Mas de ambições na música Duarte gosta de se mostrar mais realista. Quer apurar a pouca técnica que tem de violão, mas por enquanto só pode mesmo focar nas aulas online do youtube. E planeja amadurecer letras e estruturas. Claro que tudo isso está em andamento da forma como ele pode, sendo um universitário de 20 anos, com verba reduzida e família do interior.
Nessa visão, Duarte enxerga-se como ainda amador em relação aos músicos independentes que movimentam a cena musical de Vitória. Por isso mesmo, ainda mantém-se um pouco distante, para apurar seu som e acompanhar o que vem acontecendo. Ele conta gostar bastante do trabalho de músicos como SILVA, André Prando e Fabrício Oliveira. As referências do jovem são atuais, desde a já citada Clarice Falcão até Liniker, Mallu Magalhães, Los Hermanos, e assim segue.
E mesmo diante das limitações de recursos de Duarte, seu crescimento tem sido um tanto quanto pulsante. Com o lançamento de um trabalho de produção mais apurada, o jovem tem todos os recursos para se apresentar em breve como um grande nome a despontar na música produzida no Espírito Santo.
O trabalho de Duarte e suas canções podem ser acessadas na página oficial do cantor, além de seu soundcloud.